terça-feira, 18 de março de 2008

Qualquer coisa

Caê: Ele já falou muita coisa boa, por incrível que pareça.


O que realmente importa
Vive em segredo
Palavras são armas de fuga
Inebriantes, ilusórias, agudas
Que quase sempre
Servem mais a quem diz
Do que a quem ouve.
Quase sempre, repito.

Aos que enxergam as entrelinhas,
Meus sinceros pêsames.
Deve ser cáustico perceber
A mesquinhez guardada
O sofrimento sob o riso
A falsa serenidade do paciente terminal
A paixão aprisionada pela cultura.
Coitados dos alfabetizados de páginas em branco.


Percebo em mim tudo isso:
O dito inócuo,
O escondido suplicante
A ironia, o sarcasmo.
Chego a sentir a arrogância
Da boca tapada, calada,
E a prepotência descarada
Em frase benevolente.


Lembro agora com nitidez
Uma superioridade, vinda não sei de onde,
Dirigida a não sei quem
Desconhecida a razão
Explicitada num resmungo,
Num palavrão, num "hein?",
Na simples junção de letras,
Ou nem nisso: só um não-olhar.


E ainda aqui, agora,
Faço uso das palavras
Construo frases recortadas
Jogo idéias ao ar
Apenas para esconder
O que preciso explicitar;
Apenas para mandar
Um recado pra você: escreva.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Enquete

(na foto, a cegonha caminhando para bater o
ponto diário. Será aí que a vida começa???)

Decidi entrar na polêmica sobre quando começa a vida humana, algo tão amplamente discutido por religiosos, cientistas, políticos, cachaceiros em mesa de bar, pacientes no divã, casais no intervalo da novela das oito, e agora até pela mais alta corte da justiça brasileira, o STF, que não vai ter mais a boquinha de ficar discutindo, discutindo, e só. Vai ter que decidir.

A demora nessa decisão é porque a Justiça intimou Deus, que dizem ser o criador de tudo, para prestar depoimento. O problema é que o oficial de justiça não o localizou, pois estava em "lugar incerto e não sabido". Presume-se que o cidadão seja trilhardário pelo menos, porque em cada bairro de cada cidade do Brasil tem, no mínimo mesmo, umas três casas, algumas bem luxuosas, até com decoração em ouro (não se sabe se legítimo ou falsificado).
Outra dificuldade foi pelo número de representantes que o intimado tem, cada um apresentando a tese supraconstitucional e mandamental de que Deus não tá nem aí para o que acontece aqui, é superior a qualquer autoridade (principalmente brasileira). Não está nos autos, mas um cara que vive no Vaticano e diz ser íntimo do intimado disse que Deus teria mandado um recado para o novíssimo presidente do STF, Gilmar Mendes: "Eu vou. Se o oficial de justiça me encontrar, eu juro (e juramento de Deus é sagrado) que vou".
Bem, sem este importante testemunho, o STF parece estar mais perdido para tomar essa decisão do que portador de deficiência visual que que tenta fugir de uma agressão mútua (envolvendo incontáveis indivíduos educados em ambiente de alto risco social) com utilização de armas de fogo - ou o agora politicamente incorreto "cego perdido em tiroteio"). Para complicar ainda mais, eu pergunto a vocês (e já dou algumas sugestões de respostas):
Quando realmente começa a vida humana?
(a) Quando o sujeito se aposenta com bom rendimento
(b) Quando ele chora pela primeira vez
(c) Quando o futuro pai dá uma cantada na futura mãe
(d) Quando recebe o primeiro salário
(e) Quando ganha o primeiro milhão
(f) Quando sai da universidade
(g) Quando faz a primeira viagem sem os pais
(h) Quando a camisinha do futuro pai estoura
(i) Quando a mãe esquece de tomar o anticoncepcional
(j) Quando conclui o doutorado
(l) Quando passa num concurso público
(m) Quando Deus criou a maçã
(n) Quando assume sua sexualidade
(o) Quando o futuro pai diz à futura mãe: "você tomou seu anticoncepcional, não tomou?"
(p) Quando o espermatozóide fura a tabela e, consequentemente, o óvulo
(q) Quando o STF quiser que seja
(r) Começa quando termina
(s) Há dez mil anos atrás, como bem nos advertiu Raul
(t) Quando o sujeito desvenda "O Segredo"
(u) Quando o sujeito mentaliza bem forte e repete "eu existo, minha vida começou, eu estou vivo" 248 vezes pela manhã, 180 à tarde e 500 à noite, antes de dormir
(v) Quando planta uma árvore, quando tem o primeiro filho (olha o trauma nos demais filhos!) , quando adota ou compra um cachorro e quando é convidado para fazer o primeiro comercial de margarina
(x) Quando os filhos finalmente saem de casa
(z) Quando reconquista a solteirice.


quinta-feira, 13 de março de 2008

Amante


Imposto o silêncio,
Calo-me.
Imposta a ausência,
Sinto-a.
Obedeço, lamento,
E não entendo.
É que a criatura livre
Não dorme em gaiola.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Mais uma vez


Corpos quentes
Cama gélida
Abraço frouxo
Olhar no vazio
Cansaço no rosto
Nada de novo
Ela de novo
Ele de novo
Só hormônio
Organismo reage
Animais que cruzam
Sem que haja cio
Mero costume
Aliança burocrática
Pensamento no quarto ao lado
Desprezo ao ato
Sem raiva ou amor.

Sem que haja cio
Organismo reage
Ele de novo
Nada de novo
Olhar no vazio
Na cama gélida.

Animais que cruzam
Só hormônio
Ela de novo
Cansaço no rosto
Abraço frouxo em
Corpos quentes.

Desprezo ao amor
Sem raiva pelo ato
No quarto burocrático
Pensando na aliança
Meros animais
Costumes que cruzam
Sem reação
Organismo no cio
Só, de novo,
No vazio da cama,
Ele, ela.

terça-feira, 11 de março de 2008

A Guerra


Sou pacifista, mas confesso que queria ver como seria uma guerra na América do Sul.
Seria todo o mundo sul-americano contra a Colômbia?
Será que a Colômbia ia contra-atacar lançando cocaína puríssima pelos ares, em bombardeio ao inimigo? Uau, a guerra ia terminar numa rave. Não é má idéia. O inimigo que não morresse de overdose iria virar freguês. Hum, boa estratégia de marketing, mas acho que o orçamento da campanha ia ser o mais caro da história das guerras. Pena, mas não vai ser possível.
O Brasil ia atacar com o que há de mais mortal: os ritmos de massa. Aviões elétricos, inspirados no segundo maior item de exportação baiano, iriam espalhar pelos céus inimigos o som do Calypso, dos MC´s (todos!), do funk carioca, e daquelas malditas duplas repentistas que nos enche o saco nas praias nordestinas. Entre outros, claro. Por terra, o ataque também seria arrasador e iria atrair muitos turistas franceses e japoneses: todos os ritmistas de todas as escolas de samba e todos os batuqueiros de maracatu unidos sob a regência do maestro Carlinhos Brown com seus tribalistas e participação especial de Ivete Sangalo, Sandy, Xuxa e Daniel.
Hugo Chávez certamente seria a primeira vítima da guerra. Morreria durante o discurso diário da tarde (o quarto do dia) em que chamava os presidentes dos países que não entraram na guerra de “bundões submissos ao imperialismo americano”, esculhambaria os líderes que defendessem o fim da guerra, chamando-os de “bundões submissos ao imperialismo americano” e atacaria o presidente chinês (que alegou não ver sentido em meter o bedelho nessa guerra do outro lado do mundo), gritando a plenos pulmões que ele é um “bundão submisso ao imperialismo americano”. Sobrou até xingamento para Fidel, “aquele bundão submisso ao imperialismo americano” que declinou do convite de participar da guerra ao lado do companheiro Chávez.
Ninguém saberá nunca qual a nacionalidade do cara que matou Chávez a canivetada, mas parece que o nome é Jhonny Stwart, embora o acusado alegue o tempo todo que “meu nome não é Jhonny, meu nome não é Jhonny”, falando em português mesmo (por causa disso, especula-se que seja o ator Selton Melo).
No Peru, os feiticeiros estariam em assembléia no Machu Picchu dia e noite. Dizem que estão invocando uma praga dos infernos: um bando de gafanhotos em número suficiente para destruir a principal fonte de renda colombiana. O que eles não pensaram é o que essas pestes vão fazer depois de consumir toda Erythroxylon coca existente por lá. Já pensou, bilhões de gafanhotos alucinados zoando mundo afora?
Alegando ser pacifista por natureza, o presidente paraguaio se negaria a entrar em guerra contra qualquer parceiro comercial presente ou futuro. Dizem as más línguas que ele na verdade fugiu da raia porque não tinha arsenal. Quer dizer, armas ele tinha muitas, mas todas falsificadas, assim como a munição. Tudo “Made In Paraguay”.
Se não falei da Argentina não foi por esquecimento, mas motivada pela declaração da presidente, que não entendeu a razão pela qual a Argentina entraria nessa guerra que acontece na América do Sul "e não aqui na Europa". É, né? Aliás, essa foi a mesma lógica do governo chileno.

Não foi desta vez que saiu a guerra. Pena. Eu já tinha armado a rede na varanda à espera do bombardeio colombiano.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Falar por falar


Não quero escrever
Não tenho o que escrever
Não tenho o que dizer:
As idéias estão encasteladas
Talvez em algum penhasco
Talvez longe demais de mim.
Não há metáfora possível:
O verde é só uma cor
Rio é água corrente
Paixão, tolice adolescente
Saudade é falta de costume
Bando de peixes, cardume.
Não há romantismo:
O castanho olhar não é doce,
É herança genética;
Aquele cheiro embriagante
Não é prêmio da natureza,
E sim perfume de botica.
Sem melodramas:
Lágrima é secreção dos olhos
E não dor sentida na alma
- Nem sequer existe alma.
Esquecer é questão de tempo,
Lembrança exige memória.
Abandono também a inocência:
Pais abusam de filhos e filhas,
Mães jogam as crias no lixo
Filhos abandonam seus velhos
Não há amizade sem reciprocidade
E a voracidade dos vermes não discrimina.
Como já disse, não há o que dizer,
Não escrevo nada de novo
- Está tudo no dicionário -
Não planto idéia alguma.
Só falei o que a gente esconde
Pra viver sem enlouquecer.