"Doutor, olha essas bolhinhas que apareceram no meu braço, de ontem para hoje". Ele olhou, olhou... Mandou que eu sentasse, examinou com olhar de curiosidade. Parecia não estar acreditando em alguma coisa que eu nem suspeitava que fosse. Mandou abrir a boca. "Ahhhhhh". Como quem teme ser acusado de tarado, irritantemente hesitante, pediu para que eu levantasse "um pouco" a blusa para ele avaliar as bolhas que já começavam a invadir costas e barriga. Tirei logo a blusa toda.
- Um minuto, eu já volto.
Coloquei a blusa de novo e fiquei esperando. Quando o médico voltou, vinha carregando um colega. "Esse é meu colega. Ele é pediatra, você se importa que ele lhe examine?". "Hein? Ser examinada por um pediatra? Claro que não me importo! Isso vai fazer bem ao meu currículo", respondi. Aos 37 ser examinada por um pediatra? Hahaha... Eu sempre disse ter alma de criança.
Foi engraçado ver a cara do pediatra examinando as bolhas ante o olhar incrédulo do clínico. O pediatra parecia estar enxergando, em cada uma delas, o Santo Graal. Maravilhado (médico é esquisito!), ele abre um sorriso largo ao clínico e diz que as suspeitas dele estavam certas: a paciente (euzinha) está com catapora.
- Tá coçando?
- Um pouco.
- Começou quando?
- Ontem à tarde comecei a coçar o braço, mas as bolhas só apareceram agora de manhã.
- Catapora. Isso é catapora. Teve febre?
- Não.
- Bota o termômetro nela.
Lá vem o cheio-de-dedos quase tendo um troço porque teria que colocar o termômetro (obviamente) por baixo de minha blusa.
Enquanto passava o tempo do termômetro, expliquei ao pediatra já ter tido catapora na infância, e pelo que eu sabia, catapora só dá uma vez.
- Você está certa, catapora só dá uma vez. Então você está tendo pela primeira vez agora.
- Não senhor, eu já tive na infância. Peraí, minha mãe (que estava na sala de espera) pode confirmar para o senhor.
Ao meu chamado, entrou a família quase inteira no consultório. Todos confirmaram minha catapora na, digamos assim, primeira infância. E mais: meu irmão mais velho já teve catapora três vezes. Fomos ridicularizados pelos médicos. Para eles, das outras vezes foram feitos diagnósticos errados. E aí, como é que eu posso provar que eu tive o que eles dizem que eu não tive, tanto tempo passado? Sou um objeto de estudo da medicina, e os dois plantonistas dispensando esse material. Paciência.
O pediatra se foi, a família foi dispensada, voltei a ficar a sós com o clínico. Ele pediu então para examinar novamente minhas costas, e eu nem esperei ele pedir para levantar um pouco a blusa. Tirei. Olhou, olhou, cutucou e disse que eu poderia colocar a blusa. "E a perna, tem bolhas nas pernas?". "Hum... pouquinho. Acho que tá começando a estourar agora, quando eu saí de casa não tinha nenhuma". "Eu poderia...", "Sim, sim, claro". E desci a calça até o chão. Hahaha... o médico não sabia se chegava perto ou corria - bom, nem sou tão gostosa assim nem tão horrível assim. Acho que a timidez dele é que causou aquela suadeira.
Pois é, o fato é que estou com catapora. Dessa vez, exigi o exame que comprove a suspeita, para esfregar na cara do próximo pediatra em caso de reincidência. Será que vou chegar aos 50 sendo examinada por pediatra?
PS: acho um desperdício ficar doente quando você não precisa cumprir horário. A única vantagem de ficar doente na "terceira infância" é o atestado médico para justificar a falta ao trabalho. Infantilidade? Oras, estou com catapora, você queria o quê?