terça-feira, 27 de maio de 2008

Terceira Infância


"Doutor, olha essas bolhinhas que apareceram no meu braço, de ontem para hoje". Ele olhou, olhou... Mandou que eu sentasse, examinou com olhar de curiosidade. Parecia não estar acreditando em alguma coisa que eu nem suspeitava que fosse. Mandou abrir a boca. "Ahhhhhh". Como quem teme ser acusado de tarado, irritantemente hesitante, pediu para que eu levantasse "um pouco" a blusa para ele avaliar as bolhas que já começavam a invadir costas e barriga. Tirei logo a blusa toda.
- Um minuto, eu já volto.
Coloquei a blusa de novo e fiquei esperando. Quando o médico voltou, vinha carregando um colega. "Esse é meu colega. Ele é pediatra, você se importa que ele lhe examine?". "Hein? Ser examinada por um pediatra? Claro que não me importo! Isso vai fazer bem ao meu currículo", respondi. Aos 37 ser examinada por um pediatra? Hahaha... Eu sempre disse ter alma de criança.
Foi engraçado ver a cara do pediatra examinando as bolhas ante o olhar incrédulo do clínico. O pediatra parecia estar enxergando, em cada uma delas, o Santo Graal. Maravilhado (médico é esquisito!), ele abre um sorriso largo ao clínico e diz que as suspeitas dele estavam certas: a paciente (euzinha) está com catapora.
- Tá coçando?
- Um pouco.
- Começou quando?
- Ontem à tarde comecei a coçar o braço, mas as bolhas só apareceram agora de manhã.
- Catapora. Isso é catapora. Teve febre?
- Não.
- Bota o termômetro nela.
Lá vem o cheio-de-dedos quase tendo um troço porque teria que colocar o termômetro (obviamente) por baixo de minha blusa.
Enquanto passava o tempo do termômetro, expliquei ao pediatra já ter tido catapora na infância, e pelo que eu sabia, catapora só dá uma vez.
- Você está certa, catapora só dá uma vez. Então você está tendo pela primeira vez agora.
- Não senhor, eu já tive na infância. Peraí, minha mãe (que estava na sala de espera) pode confirmar para o senhor.
Ao meu chamado, entrou a família quase inteira no consultório. Todos confirmaram minha catapora na, digamos assim, primeira infância. E mais: meu irmão mais velho já teve catapora três vezes. Fomos ridicularizados pelos médicos. Para eles, das outras vezes foram feitos diagnósticos errados. E aí, como é que eu posso provar que eu tive o que eles dizem que eu não tive, tanto tempo passado? Sou um objeto de estudo da medicina, e os dois plantonistas dispensando esse material. Paciência.
O pediatra se foi, a família foi dispensada, voltei a ficar a sós com o clínico. Ele pediu então para examinar novamente minhas costas, e eu nem esperei ele pedir para levantar um pouco a blusa. Tirei. Olhou, olhou, cutucou e disse que eu poderia colocar a blusa. "E a perna, tem bolhas nas pernas?". "Hum... pouquinho. Acho que tá começando a estourar agora, quando eu saí de casa não tinha nenhuma". "Eu poderia...", "Sim, sim, claro". E desci a calça até o chão. Hahaha... o médico não sabia se chegava perto ou corria - bom, nem sou tão gostosa assim nem tão horrível assim. Acho que a timidez dele é que causou aquela suadeira.
Pois é, o fato é que estou com catapora. Dessa vez, exigi o exame que comprove a suspeita, para esfregar na cara do próximo pediatra em caso de reincidência. Será que vou chegar aos 50 sendo examinada por pediatra?

PS: acho um desperdício ficar doente quando você não precisa cumprir horário. A única vantagem de ficar doente na "terceira infância" é o atestado médico para justificar a falta ao trabalho. Infantilidade? Oras, estou com catapora, você queria o quê?

7 comentários:

Ana Paula Siqueira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ana Paula Siqueira disse...

hahahahahahahahahahahaha
adoreiiiiiiiiiiiiiii!!
mas pense bem: isso é muito bom!! è quase igual a segurança de boate te pedindo a carteira de identidade (ou RG, como dizem em SP), num é?? hehe
ri demais!!
Se cuida e NÃO COÇA!!! Senão macha e quando crescer, vai ficar uma moça bonita com as pernas manchadaa!!! hehe
beijos

Anônimo disse...

Deliciosa crônica e melhor título não há!

Você ficou surpresa com a timidez do clínico?! hahaha, Deixe de ser saliente, menina!

Muito boa Cláudia. Leve e contagiante, como a catapora!

Dimas

Anônimo disse...

Deliciosa crônica e melhor título não há!

Você ficou surpresa com a timidez do clínico?! hahaha, Deixe de ser saliente, menina!

Muito boa Cláudia. Leve e contagiante, como a catapora!

Dimas

A Autora disse...

Ana Paula,

Obrigada pela visita - você já teve catapora né? Não quero contaminar ninguém, que isso coça como o diabo. Já cortei as unhas até chegar na carne, pra não correr risco de me ferir coçando - porque ficar sem coçar, não dá mesmo.

Dimas,
Contagiante, tudo bem, mas leve essa porcaria não é mesmo. E meu problema com o clínico é que ele era tão encabulado, mas tão encabulado, que eu fiquei pensando que ele errou sua escolha profissional. Devia ser médico legista. (vixe, já pensou se fosse ginecologista????)

Canto da Boca disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Canto da Boca disse...

Hahahahaha!

Olha, quando as meninas tiveram catapora, lá se vão pruns dezoito anos, e eu ainda morava em Serra Talhada, sabe o que as "comadres" me mandaram fazer?
"Colocar milho seco debaixo das camas, pra assustar a catapora" e "dar banho em água morna com cachaça, que era pra embriagar a catapora"... Acaba eu tomando a cachaça e as meninas continuavam com a catapora.
Hahahahaha! Nem quero saber da cara do médico, fiquei imaginando foi a sua...
Beijos.