sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Ai, deu sodade!


Às vezes me dá uma saudade danada do mar. Fui criada junto dele, me habituei com o seu cheiro, a maresia, o seu sol, os barcos e seu estilo. Até meus, sei lá, 25 anos, eu era rata de praia e minha pele hoje não nega. Depois fui abandonando o hábito, trocando o banho por passeios na areia ou no calçadão. Nunca havia valorizado a temperatura amena da água, até que conheci outros litorais desta banda sul(deste) e seu gelo desagradável.
E nem é do banho e nem mesmo das caminhadas que eu sinto falta. A saudade é de saber que ele estava por ali sempre, perto, acessível, convidativo. A falta é de poder sentar sozinha na areia ou na calçada com as pernas abraçadas, olhos ao mar, cabeça nas nuvens. Fechava os olhos e brincava de "sentir": o som (e o barulho do mar de Olinda é o silêncio, pois não tem ondas para arrebentar); seu cheiro, suas cores, sua temperatura; um gosto salgado guardado na lembrança.
Muitas histórias de minha vida se passaram por ali. Coisas boas e ruins. Paqueras, namorados, turmas, jogos de vôlei e dominó, atravessar o dique a nado, sentir o cheiro de melancia e gritar para o pessoal que tem tubarão na área, cerveja, caldinho, amendoim, caranguejo. Brigas, discussões, implicâncias, pequenas sacanagens com os outros, marcar encontros, organizar "assustados" (quem sabe o que é, massa; quem não sabe fica mesmo sem saber), gazear aula.
O jornalzinho da praia, O Farol! Feito pelo pessoal de Olinda mesmo, a molecada que inventou um jeito de expressar idéias e sacanear publicamente com os outros. Adorava receber o jornal e ver quem é que tinha sido escolhido como mártir da edição. E o escândalo quando Katy apareceu no jornal com os seios de fora? Aiaiai. Aquilo foi demais para o tradicional Colégio São Bento. Pensei que o mundo ia desabar.
Gostava de ir à praia mesmo que em dia de chuva. Céu nublado, frequência bastante diminuída e eu ali de biquini, boiando, sentindo as gotas da chuva caírem em meu corpo dentro do mar. Ficava de bruços (ainda boiando) e prestava atenção exclusiva ao som das gotas de chuva batendo na minha nuca e no mar. Era gostoso demais.
A praia de Olinda continuou sendo palco da minha história mesmo quando adulta. Foi lá que resolvi casar, foi para lá que eu corri logo após separar. Diversas vezes lá eu chorei pela minha irmã e, muito tempo depois, pelo meu pai. Lá eu também me percebi adulta, ao tentar achar vestígios ainda de meninice e praticamente só encontrar rostos estranhos àquilo que eu buscava, além de um pulmão gasto que me impedia de tomar fôlego suficiente para nadar metros e metros debaixo d´água, coisa que eu tinha orgulho de fazer quando pivetinha.
A minha história tinha mudado e continua a passar. O tempo, idem. Até a praia de Olinda mudou pra caramba (hoje está invadida sobretudo por barracas). Talvez até o mar também. Não importa: mesmo tendo tudo diferente, ainda assim, sinto falta do mar. De Olinda.


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Ahá! Descobri a causa da melancolia. Ontem vi um filme lindíssimo da Globo Nordeste em homenagem a Olinda. Nena Queiroga cantava:
Olinda
Tens a paz dos mosteiros da Índia
Tu és linda
Prá mim és ainda
minha mulher
calada
O silêncio rompe a madrugada
Já não somos aflitos nem nada
Minha mulher
Tu voltas
Entre frutas, verão e tu voltas
Abriremos janelas e portas
Minha mulher

(Grande Alceu Valença!)

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Fase Foda-se


Muitas vezes tenho a impressão de que sou múltipla, a cada dia - ou a cada situação - me travisto de uma personalidade diferente, de uma personagem velha conhecida minha que carrega sempre alguns traços permantentes na transição de mentes e histórias e de vestes.
Essa Ana-pavio que está no comando há uma semana ou pouco mais sempre esteve inserida na Ana, mas neste momento ela tem o mandato do corpo. Engraçado é que ela vem justamente depois de alguns meses de comando da Ana-sossego, da Ana-rural.
Não sou nada moralista, mas me incomoda, por exemplo, essa torrencial imaginação para o desaforo que ando tendo; essa disposição para a discussão, para a agressão, para a briga. Adoraria ser provocada só para mandar o sujeitinho ir tomar naquele canto.
Tenho que procurar a razão da minha insatisfação logo, antes que perca o emprego.

EU QUERO É GANHAR NA MEGA-SENA, embora não jogue. Dá pra entender? É isso.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Sem explicação


Uma vez participei de uma palestra do ator Paulo Autran no auditório da Universidade Católica de Pernambuco, onde então cursava jornalismo. Não sei se ele foi provocado por alguém da platéia ou se ele narrava espontaneamente, mas o certo é que ele falou sobre o seu vício de fumar. Disse que, uma vez questionado, respondeu que fumava somente porque era burro.
Aquilo, passado há uns 16 ou 18 anos, fixou-se em minha memória. Eu já fumava naquela época, e continuo fumando agora, sem intenção de parar. Quer dizer, parar eu bem que queria, desde que não me exigisse força alguma, e isso não acontece. Portanto...
Não pretendo aqui nem em canto algum fazer apologia a vícios. Mas, tirando o cheiro que fica na boca, na roupa, nos cabelos, no ambiente, fumar é bom. Há quem diga que comer chocolate pode fazer o mesmo efeito, trazer relaxamento e uma sensação boa, mas sei não: comigo não funcionou, e quase adquiri outro hábito.
Comecei a fumar adolescente, como a maioria. Eu e Márcia, uma amiga vizinha, vivíamos fumando escondido, roubando cigarro dos nossos pais. Quando minha mãe descobriu tentou me chantagear: ou eu fazia tudo o que ela queria (ou seja, poupar meu irmão mais velho dos trabalhos domésticos) ou ela contava ao meu pai. Eu não tinha medo de levar uma surra do meu pai, por exemplo, porque ele nunca havia me batido e não seria aos 16 que isso aconteceria, né? Meu medo era de decepcioná-lo.
Resolvi me submeter à chantagem, pelo menos por um tempo. Mas chantagista ambiciosa que minha mãe (aliás, acho que é defeito de mãe) era, a exploração passou dos limites e em menos de uma semana dei um basta naquilo. Contei tudo ao meu pai - tudo, entenda-se: que eu fumava, que minha mãe havia descoberto e me chantageava para não contar nada a ele, que meu irmão fumava, que minha prima que morava conosco fumava, e que nosso principal fornecedor era ele mesmo, meu pai.
Sei, o recurso de entregar todo mundo foi baixo. Mas (hehehe) funcionou! (caráter é algo "discutível", principalmente quando é você quem está no banco do réu). Ninguém apanhou, todo mundo levou sermão e pronto.
Tentei parar de fumar algumas vezes, e consegui parar de fumar por uns tempos. Voltei sempre por brincadeira ou por uma desculpa qualquer (quando a gente não quer, qualquer desculpa serve! - Casas Lux Ótica).
Já são 22 anos de cigarro e uns 18 das palavras de Paulo Autran. Eu continuo burra e, por uma entrevista que vi do ator há poucas semanas, ele também.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Tô na paz...


Dino fumou maconha. Hilário!
Meus sobrinhos assistiam à TV ontem à noite enquanto eu estava no computador. Começou a família Dinossauro, e como gosto muito, fiquei com os olhos na tela - do pc - e com os ouvidos na sala. Bob briga com o pai e sai de casa para morar com amigos. Tentam encontrar comida, saem à caça e nada conseguem, como sempre. Então um deles encontra uma plantinha e traz para a casa. Todos comem. De repente (imagino pelo som) ficam com cara de retardados e um sorriso frouxo nos lábios. Haviam encontrado a "planta da felicidade". Nos diálogos seguintes, sobram "aê", "legaaaaal", "estou feliz", e por aí vai.
Muito "na paz", Bob descobre que ama o pai e precisa fazer as pazes com ele. Leva a tal plantinha, que é consumida por todos da família Sauro. "Beleeeeeza". O retrato da família feliz. Dino não quer mais trabalhar, chega no emprego sob efeito da felicidade verde, é despedido e considera isso "a melhor coisa que lhe aconteceu na vida". Claro, o episódio continua com cenas e diálogos hilariantes mas termina com um discurso do Bob sobre como a droga faz mal à vida, e tudo volta ao "normal".
E eu penso que o ódio que eu estava sentindo (ver post anterior) tem sua solução na natureza.
Como diria o Baby: DE NOVOOOOOO!

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Acabou o Atroveran


É algo gigantesco que se apossa
sem que se perceba, nem se espere.
É acordar possuída, tendo dormido liberta.
É não querer querer coisa alguma.

Olhar o teto por horas,
incapaz de perceber a teia;
imaginar o dia desejando ser noite;
sentir-se destruída, inóspita, tensa.

É a dor na cabeça, no corpo, nas pernas,
o espírito transfigurado, irreconhecível,
desrespeitar preceitos, conceitos, ética,
o palavrão como hino e pedras como bandeira.

Um ódio sem razão ou explicação,
uma lágrima saída não se sabe de onde,
raiva do mundo, raiva de todos, raiva de si:
inspiração para o instinto bruto.

É olhar e não reconhecer o "meu",
sendo o meu eu mesma
que se reflete alvoroçado
sem ordem, sem obediência, sem pena.

Ver o sol nascer e torcer pelo aborto
num céu cinza chumbo tal qual o humor
de uma tempestade, uma ventania,
raios, chuva, trovões.

Ouvir o que se ouve todo dia
e estar certa de que se ouviu demais
e que se calou demais e que a hora exige
o grito, o não, não quero, não vou.

É o desperdício por entre as pernas
uma dor desnecessária
para quem renunciou desde cedo
às possíveis vantagens do tal ser.

É estar entregue a uma fusão de sentimentos
que você sabe não serem seus;
É um ódio, ódio por ter que sentir tanta dor
por simplesmente ter nascido mulher.

Última Cria


O fim: tema recorrente da telona e razão de todos nossos medos.
Assisti ao filme "Filhos da Esperança" e achei horrível. Roteiro, atores, tudo horrível. Piegas, previsível, ruim mesmo, sem perdão. Mostra um mundo de mulheres inférteis, nada de nascimentos, nada de crianças. Deveria ser um retrato do fim do mundo.
Dane-se o filme. Ficaram as idéias.
Quando pequena, eu desconfiava de tudo. No auge narcisístico da puberdade, cheguei a desconfiar que a História simplesmente não existia; meus antepassados eram inventados pela minha família somente para que eu acreditasse que havia passado. Na época, só acreditava em presente e futuro. Depois vi crianças nascendo na família e familiares morrendo, a vida continuando, e... sim, me convenci que podia mesmo haver passado.
Não me é dado mais o direito de ter uma imaginação tão narcisista assim. O mundo NÃO gira ao meu redor. Mas minha vida gira, e dela eu decidi, há muito tempo, apagar o tempo que virá. A coisa é simples, basta que você não comprometa seu presente em função de um futuro. Mais ou menos como não se privar de comer o doce agora porque é preferível comê-lo depois do almoço. Irresponsável no conceito de uns, comprometida consigo mesma, na minha tosca concepção.
Não sei em que programa eu assisti uma mulher citando uma espécie de fábula. Um homem era considerado preguiçoso, só se levantava para fazer o essencial para sobreviver. Não passava fome nem necessidade, mas se privava de conforto e segurança. Um amigo muito íntimo vai conversar com o sujeito e tenta interferir naquela preguiça. Argumenta que o outro tem que trabalhar bastante agora, enquanto é jovem, para formar seu futuro, se estabelecer financeiramente e finalmente se aposentar e aí sim, curtir a vida, descansar. O outro retruca de forma muito simples: se o objetivo do trabalho é o descanso final, ele preferia descansar desde já. Tô com ele e não abro.
Voltando à idéia que surgiu enquanto assistia ao filme.
Tente se colocar na seguinte situação: progressivamente, todas as mulheres do mundo vão se tornando inférteis. Isso vai num progresso muito rápido. Até que sua mãe lhe bota no mundo, e você é o último exemplar nascido. Sua vida é um reality show permanente, você é maior que qualquer astro da História. Sabe que é o último, isso é lembrado a todo momento, todas as horas de sua vida. Ao seu lado, só morte - de conhecidos, amores, desconhecidos. Pela lógica rasteira, você deve ser o último exemplar humano a morrer. Sem qualquer esperança de mudança.
O que você faria?
Se eu tivesse a consciência de todos estes fatos, eu aplicaria uma regra antiga, um ditato: os últimos serão os primeiros. Sem dúvida.
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Mas eu queria mesmo era falar do fim sob outro ângulo tocado muito de leve no filme: o terror de não haver sequência. A película mostrava que as pessoas viviam os últimos dias do mundo em clima de guerra. Matava-se por tudo, principalmente morria-se por bala perdida. Mas havia quem morasse em paz, como uma família "normal", e morresse de doença ou outro tipo qualquer de morte natural. Se você vive a perspectiva de viver normalmente, porque o terror de ser a última geração sob a face da terra? Vai lá no fundo e tenta me responder: que diferença faz você ser da última geração? Será que, como cantou Renato Russo, dá saudade de tudo que ainda não se viu?

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Lanterna pra cego



As maravilhas
da tecnologia
são verdadeiras
ARMADILHAS

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Trabalho, só por duas razões:
dinheiro ou alegria.
Sendo assim,
o que é que estou fazendo aqui?

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Às cinco acordo
às seis, no banho
às sete trabalho
às cinco largo
às seis chego
às sete como.
Ê vida besta.

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Sala de bate-papo: também
chamada de chat ou
de sala de reunião do IBGE
(qual seu nome? tc de onde? quantos anos?...)

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Pior que meninos de 15,
só adolescentes de 30.

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Não gosto que me peçam desculpa assim,
no seco, "desculpa", somente.
Fico me sentindo uma otária obrigada
a ceder ao significado constante no Aurélio.

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Para mau humor o remédio é solidão.

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A ciência ainda não conseguiu explicar, mas o fato é que
a manhã passa mais rápido que a tarde
o segundo semestre passa mais rápido que o primeiro
e o melhor parceiro do café é o cigarro.

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"Vá com Deus" é uma expressão
que soa como desejo de morte.

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Há quem diga não saber ficar parado,
simplesmente sem fazer.
Há quem não goste de rede
com medo da coluna.
Há quem tenha mania de arrumação,
de perseguição, de movimentação.
Esse mundo tá perdido: há maluco pra tudo.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Mafalda não é tudo de bom?


Sério: precisa de comentário?

Movimento Decoreba Nunca Mais


Não sei porque professores se prendem tanto à grade curricular. Soam ocos, chatos alguns assuntos que na verdade são interessantíssimos. Matemática, por exemplo. Sempre fiz parte da maioria absoluta da humanidade neste aspecto, ou seja, sempre ODIEI matemática. Pode parecer loucura, mas o fato é que achava matemática simplesmente irracional. Pra quê tanta fórmula? Pra quê usar "x" "a" "y",etc? Onde se aplicam fórmulas gigantescas que os professores nos obrigam a decorar - sim, eles não ensinam a chegar à fórmula; escrevem-na prontinha no quadro e ai do aluno que não a copiar perfeitamente igual. Basta trocar um x ao quadrado por um x ao cubo e já era tudo. Tem que se ter sobretudo boa visão para estudar matemática, e até nisso eu levava desvantagem com uma miopia das bravas que me acompanhou até os 26 anos (qualquer dia conto algumas histórias da miopia e do pós-míope).
E história, então? Argh, a esperança é de que algum revoltado um dia lance o Movimento Decoreba Nunca Mais. Marco Pólo foi imperador em que período? Em que data Pedro Álvares Cabral teve uma conversa com o vizinho dizendo que quando ficasse adulto pretendia ser engraxate? E Cleópatra, deu para quantos? (especifique data, nome, e número de gozadas dela e deles). Queria, no tempo de estudante primária e secundária, ter conhecido a história pelo seu contexto, compreender, e não ter que me martirizar decorando datas e nomes e cidades e guerras e personagens.
De Português me safei. Tive boas professores - Dona Acidália (naquele tempo, pelo menos no São Bento, a gente chamava professora de dona, e não de tia, como é hoje. Opa: assunto para um outro post), Rosita Godói (o pai dela era cantor do Demônios da Garoa e eu o adorava!), Luciana (a mulher mais desejada do São Bento desde que entrei no Colégio, na 4a série, até quando saí, no 3o científico). Adorava Português. Sem exceção, sempre que o ano letivo começava, no primeiro dia de aula, eu já tinha lido todos os textos do livro novo de Português, e feito boa parte de todos os exercícios.
Que mais? Inglês. Repitam comigo: ai eme, iu are, ri is, xi is, iti is, ui are, iu are, dei are. Que cor é essa? iélou. Véri Gúdi. Tive um professor inglês legítimo, Jhon Muskat (nunca soube se o h do Jhon era antes ou depois do o, e acabo de verificar que isso ainda é um trauma para minha memória). Nunca prestei atenção em inglês e fugi de todos os cursinhos que a pobre da minha mãe me matriculava. Me sentia analfabeta. Mas se tivessem tentado me educar usando filmes, livros e música ao invés de uma "tabuada gramatical", quem sabe... acho que gostaria muito.
RELIGIÃO. Estou enganada ou o resto do mundo não estudava religião? Estudando em colégio de padre, não tive opção. Tive dos mais diversos professores. Irmão Patrício era bom de enrolar: você botava a mão no queixo e ele jurava que vc estava dando atenção máxima para ele. Irmão Paulo, coitado, era tão bonzinho que quase chorava com nossas perguntas que tinham tanto de curiosidade quanto de maldade, do tipo "como deus pode ter surgido do nada? Lógico que ele tem que ter mãe". Coitado. Irmão Paulo era bonzinho de verdade. De Irmão Marcos nunca gostei, tinha jeito daqueles padres ambiciosos e mesquinhos (pra não dizer outros esteriótipos piores) que a gente vê em filmes de inquisição. Argh.
Gostei do assunto, animou minha manhã. Mas por hoje chega. Volto a ele qualquer dia desses.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Seu Rei Mandou Dizer


Título é algo que ainda intimida. Fiquei chocada ao descobrir isso.
Ser chamada de "doutora", "senhora", "moça", "senhorita", não faz qualquer diferença para mim. Também não me constrange nada chamar um médico ou um juiz pelo nome. O título é uma referência que entendo ser útil em determinadas ocasiões - todas elas envolvendo trabalho, nenhuma sob prisma pessoal. Em título, a pessoa não "é", a pessoa "está". É um cargo que se ocupa; é uma conquista acadêmica que não interessa na verdade para a imensa maioria das pessoas. É quase um prenome dentro de círculos que vivem num mundo à parte.
Em uma casa onde moram cinco pessoas, os três adultos têm título de bacharel. Importância zero, pois. Pensava eu. Dentre os três, um ocupa um cargo público não-eletivo. Funcionário público federal concursado, um de nós três em determinados momentos é mais reconhecido pelo cargo que ocupa do que qualquer outra coisa. Tenho a sorte disso não acontecer comigo. Mas se reflete em mim.
Ontem mesmo um amigo, sem querer, deixou escapar a verdadeira razão de suas recusas a estar em minha casa, curtindo um belo dia de sol na beira da piscina. Respeito ao cargo de um dos três adultos que habitam o sítio. Receio de ser inconveniente com uma autoridade que só "está" (e não "é") autoridade durante um expediente. Como se pudesse ser multado por um riso fora de lugar. Ou preso por desacato ao tirar uma brincadeira. Bobagem, mas que tento respeitar em quem a cultiva, embora tente por vias delicadas tirar isso da cabeça do amigo.
Não enxergo fardas, medalhas ou diplomas acima das pessoas que os vestem. Nos momentos de formalidade, acato-a. Muda o cenário, mudam as personagens. Já "insultei" um prefeito para quem trabalhei ao chamá-lo pelo nome e ao me recusar com tranquilidade a cumprir um pedido seu, feito num churrasco de final de semana. Não recusei para demonstrar isso ou aquilo. O fiz porque o quis, simples assim. O favor pedido por ele implicava em eu me levantar, andar, pegar algo, fazer algo; e eu não levantaria daquela cadeira confortável "nem fudendo". Não levantei, não fui, não fiz, e disse que não o faria. Virou insulto aos seus olhos e aos dos pequenos dependentes do poder real. Foi mais uma gota no copo que terminou um dia por encher, transformando-me em "inimiga do rei". Tudo bem: naquele reinado tinha muito bôbo da corte para o meu gosto.
Já trabalhei com muitas "autoridades". Sempre as respeitei dentro do espaço em que entendia ser o da formalidade. E sempre relaxei no tratamento quando o espaço permitia isso. Se a pessoa é considerada autoridade por um cargo eletivo, pior ainda: não consigo achar superior a quem quer que seja alguém que ocupa uma função com tempo determinado, um representante escolhido e que vai deixar de "estar" (ou de "ser") em prazo fixo.
Que conversa mais mole... Não era nada disso que eu queria escrever. Mas meus dedos estão desobedientes - também se recusam a atender à autoridade que eu devia exercer...

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Geração amestrada


Não sei se minha geração foi agitada demais ou a atual é lenta demais. Sei que vivíamos uma época especial: adolescentes do fim da ditadura, do rompante do rock brasileiro, das greves intermináveis, das passeatas nas ruas. Época em que se precisava estar engajado, ou num partido político ou num movimento cultural. Ou em ambos. Sim, também tinha a turma do esporte, engajada ao modo dela. Quem ficava de fora, ficava de fora.
Universidade era espaço para pensar, discutir, apresentar o contrário. Fazer o papel de "advogado do diabo" sempre foi uma diversão. Aula? As que valiam a pena mantinham a sala cheia. As que não valiam enchiam os corredores e a rua do lazer, onde tinham os lanches mais baratos da região. Chamada era instrumento de pressão de professores que, por si sós, não eram capazes de manter o interesse do aluno - tipos desprezíveis para nós, alunos. Estes não eram chamados para nos acompanhar nas famosas rodas de chopp da sexta à noite.
Aos 30, voltei à universidade para fazer novo curso. Até que na minha turma tinha muita gente como eu, ou seja, tentando um segundo curso. Acho que só metade dos alunos tinha saído diretamente do cursinho pré-vestibular. Não encontrei ninguém interessante no meio destes. Só achei jovens mais interessados em copiar tudo o que o professor anotava no quadro ou falava do que em compreender o que era dito. Gente que estava preocupada em registrar dicas para concurso público - mentes educadas para provar a capacidade a partir da pontaria do "x" nas acadêmicas "provas objetivas".
Como eu não pretendia seguir uma nova carreira, entrei no curso por curiosidade e para não perder a oportunidade de me graduar em algo interessante inteiramente de graça. Entretanto, sempre fui do tipo metódica, o que significa que sim, anotei tudo o que estava escrito no quadro pelo professor. Ia para casa, relia, pesquisava, batia a cabeça e encontrava as exceções. Na aula seguinte, me divertia constrangendo alguns professores com perguntas que o faziam raciocinar e sair integralmente da rotina planejada para aquela aula - que deveria ser igual a todas as outras turmas do curso. A estratégia me fez apaixonar por algumas matérias antes inimagináveis. É que nem todos os professores se constrangiam com as perguntas; pelo contrário, dava para ver o prazer que eles sentiam em ser questionados. Coisa de gente que faz o que gosta. E por fazer o que gosta, faz bem e cativa os outros.
Mas eu falava dos universitários de hoje. Numa das federais, foi proibida a venda de cervejas por todo o campus. O que os alunos fizeram? Nada. Acharam até bom, afinal cerveja "distrai" a atenção. Em outra federal, raramente são dadas todas as aulas previstas para o dia. Professor falta sem prévio aviso, larga alunos para verem fotos sozinhos (de que adianta ver fotos sem saber do que se trata e sem ter com quem discutir?), e todo mundo vai, obedece, mesmo que não entenda nada de nada. Sem reclamações. Atualmente, aluno só reclama se o professor anunciar reposição de aula às 7h da manhã do sábado.
Conclusão genérica e imperfeita: o termo "universidade" pode perfeitamente ser trocado hoje por "Centro de Formação Profissional" ou por "Centro de Respaldo Curricular". Parodiando o João Grilo (personagem do Alto da Compadecida, de Suassuna), não sei se isso é bom ou ruim. Só sei que é assim.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Maria Regina


Vejo que saiu um novo CD de Maria Rita, só de sambas. Quero muito escutar.
Engraçado, essa moça iniciou a carreira com um histórico de herança que para alguns é vantagem, para outros é desvantagem. Estou na turma que acha uma vantagem. Afinal, ser filha de Elis e afilhada de Milton Nascimento deve significar uma vida doméstica agitada e repleta de boas influências musicais.
Essa menina pode ter sido muitas vezes ninada ao som de "corujinha" ao invés do "boi da cara preta". Nos encontros de amigos dos pais, a diversão muitas vezes devia ser acompanhada de um coro de maravilhas da MPB e não daquele grupo desafinado de quem só canta no chuveiro, como nós, mortais, podemos estar acostumados.
Tudo bem, ser filha de Elis não deve ter sido tão fácil mesmo, pelo que se conta da vida maluca que teve. Mas das duas uma: ou Maria Rita se deixava mergulhar por esse mundo musical, ou o repudiaria. Pelo que sei, ela teve mesmo essa dúvida e por anos hesitou ser cantora profissional. Foi levada aos palcos pelo padrinho (olha só: meu padrinho no máximo me levou para um final de semana na casa de praia dele. E olhe que ainda tenho sorte, pois a maioria dos meus amigos sequer lembra do nome do padrinho).
Começa a carreira musical e a mídia ama. Shows, apresentações em TV, Maria Rita vira celebridade instantânea. Veio arrebentando mesmo, o primeiro CD eu considero maravilhoso. Mas veio também o outro lado: conheço várias pessoas (e li muitos críticos) a rejeitando justamente por ser filha de Elis. Correção: diziam que ela queria imitar a mãe. Não acho, embora ela de fato me faça lembrar de Elis, principalmente no gestual, na linguagem corporal. Só que não acho que isso seja ruim. Gosto da Maria Rita como é, com sua voz, seus trejeitos, seu repertório. Só que no dia em que ela resolver imitar a mãe e conseguir... ah, vou amar ter uma Elis renascida.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Uma venda a menos nos olhos


Sabe quando você faz besteira, provoca a mágoa e a reação do outro e depois faz de conta que não foi você quem iniciou toda a trama? Creio que não há quem não tenha passado por um momento escroto desse na vida. Às vezes a gente nem se dá conta do que fez, do propósito, do objetivo; mas isso não importa, de verdade. O que vale é que machucamos alguém e principalmente machucamos a nós próprios.
Há algum tempo tenho me dado conta de que passei muito tempo responsabilizando outra pessoa pelo que eu tinha provocado. Destilei minha raiva contra ela, alimentei um sentimento ruim de frustração misturado com o desejo (sinceramente superficial) de que o outro se ferre. Perdi horas pensando no quanto fulano havia me tratado mal gratuitamente, eu, que sempre quis o seu bem; eu, que o amava; eu, que podia ter feito algo do modo errado, porém com a certeza da boa intenção; eu, enfim, que me dera tanto, embora nunca o outro tivesse pedido tal dedicação.
Eu entreguei o que quis, e depois fiz questão de cobrar a fatura com preços muito, muito altos para o padrão do outro. Preços que o outro não teria como pagar, e se tivesse ainda teria o direito de escolher se faria ou não. Valores que impus por produtos que forneci dando a entender serem gratuitos. Em suma, um tremendo 171, chave de cadeia, estelionato sentimental. E ainda me senti no direito de reverter o jogo e sair como vítima da história...
Deixemos de drama: bem sei que usei e que fui usada, e que esse ranço que nutro o outro também teria razões para nutrir - se brincar, poderia até assumir a autoria desse texto. Não que ele seja sacana, não que eu seja sacana. Somos, simplesmente, humanos. E ou Deus ou a "civilização" nos permite errar, sacanear, até estropiar, sob desculpa de que somos humanos. Estamos a todo tempo num jogo de "me engana que eu gosto" , "eu uso e sou usado", e mais malandragens do tipo.
Seja o que for, assumo minha porcentagem de covardia e manipulação nessa mágoa que desnecessariamente carreguei por algum tempo. Assumo minha crueldade ao posar de quase vítima da história - e uma vítima boazinha, pois manipulava a história real a tal ponto, e para mim mesma, que ao fim sempre antevia o ponto final com algo do tipo "no fundo ele não tem culpa, coitado. É que foi criado assim". Uma falsa vítima boazinha que cria outra pseudo-vítima.
Nossa, que asco.
Não tenho vergonha do que fiz, sequer me sinto pronta para prometer que aprendi com esse erro. Tenho nojo do comportamento e raiva do tempo perdido, mas até isso teve lá sua valia, no fundo no fundo nada foi perdido.
Mas fiquei feliz por poder compreender tudo isso. Continuando no meu mergulho de sinceridade, fiquei feliz por mim - o outro já nem me importa mais, embora queira o seu bem. Repito: feliz por minha consciência.
Isto aqui não é nenhum pedido de desculpa, ou ato de regeneração. Não se enganem: nada mais é que um assunto para pensar, para contar, para lembrar.
E podem me chamar de escrota. No fundo, não me importo nem um pouquinho.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Paisagens


Saudades do azul
aqui tudo é verde e vermelho
e amarelo: igualmente belo,
igualmente reconfortante. Mas...

O cheiro é outro, quero o cheiro azul
não desprezando o aroma verde
mais seco, menos invasivo,
expansivo de acordo com a cor do céu

Há ainda o som azul,
do silêncio quebrado por breves ondas
de um "olá!" com encontro de corpos
de uma fala como em coro sem maestro

A paz azul é instantânea
quem a busca senta no branco,
vê o azul, ouve o azul, cheira o azul
e se desliga do mundo cinza

O toque azul queima a pele
e nisso se assemelha ao verde
embora só o azul traga conforto gelado,
outras vezes morno, sempre agradável

Escolhi o verde para a vida
trago a saudade do azul por escolha
ou porque ele esteja muito próximo ao cinza
ou porque eu saiba que, ao fim, serei também azul


(na foto, o azul o branco e o cinza de Boa Viagem...)

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Não era ressaca


Não era ressaca que eu tinha. Era mal físico mesmo.
Amanheci com muita dor na cabeça, o corpo todo dolorido, ruim.
Tomo remédio, deito, decido que não dá para trabalhar e tento relaxar um pouco. Não vou trabalhar pela manhã, analiso que tudo o que tenho que fazer pode ser feito à tarde sem qualquer prejuízo. Deito.
Deitar dói. Levanto, vou andar um pouco, fazer carinho nas cadelas, olhar os cavalos. Canso rápido disso, volto para a casa, faço café, tomo, e deito. Detesto sentir dor, detesto estar impossibilitada.
Aviso à colega que não poderei ir pela manhã, mas sim, com certeza irei à tarde. Tomo outro comprimido. Será dengue? Tomara que não.
Antes de dormir, ontem à noite, pensei muito sobre sonhos. Quis escrever sobre o assunto, mas o corpo já doído me aconselhou ou me ordenou a não me mexer do conforto que havia embaixo do cobertor. Não peguei papel e caneta, não liguei a luz, não escrevi, e hoje tudo o que lembro é do tema. A dor que sinto não me deixa pensar em coisas agradáveis.
Dou uma olhadinha nos emails. Vejo um bastante interessante, do meu grande amigo e ex-companheiro. O cara dá um banho de lucidez, de auto-crítica e de sinceridade, num texto despretensioso ao ser escrito e borbulhante ao ser lido. Como admiro esse cara. Respondo perplexa com tudo o que li. Não havia segredo algum ali naquelas linhas, mas a precisão das palavras e o acerto das idéias chegam quase a me constranger. Como posso escrever algo depois daquele show de habilidade? Apago a resposta que ensaiei e mudo o trajeto da conversa que mantemos diariamente graças à internet. Dou uma pausa nos nossos assuntos cotidianos para manifestar minha sincera inveja de seu texto e minha perplexidade por ter sido escolhida por este homem para participar tão ativamente de sua vida. Algumas vezes na vida senti isso, mas nunca de maneira tão evidente: estou (sou) muito aquém deste homem.
Depois de clicar no "enviar" abro o blog. Queria falar dos sonhos, mas não consigo. A dor é que me toma toda a atenção, então dou vazão a ela pelas palavras. Começo a relaxar e a lucidez de meu amigo toma conta de mim. Mas a dor volta. E agora, vou escolher uma foto para esta mensagem, desligar o micro e tentar descansar. Tudo dói. Odeio dor.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Família é assim


Corpo dolorido, preguiça, dor de cabeça. Manhã de segunda-feira pós-feriadão. Escrevo enquanto aguardo uma reunião que nem sei se vai acontecer, mas acontecendo ou não, o certo é que vou me aborrecer.
Definitivamente, não é um bom dia.
Nâo estou com mau humor, pelo contrário. Estou é ressacada de cerveja, das muitas atividades deste final de semana, de conversas mansas, de boa música. Também estou ressecada da reunião que virá, pois um único mês é suficiente para qualquer mortal dotado de inteligência mínima descobrir que só há um discurso, repetido inúmeras vezes sempre que há uma ocasião - e também quando não há. De tanto se ouvir, se aprende. Primeiro é engraçado, depois cansa, e por fim dá ressaca só de pensar nele. Mas deixemos o futuro para o futuro, embora não consiga me livrar desse gostinho de passado.
22 pessoas em uma casa. Parece estressante, não? A idéia me faz arrepiar. No entanto, foram três dias muito agradáveis onde estive absolutamente à vontade para qualquer coisa - claro, menos para usar o banheiro - e carregada da sensação de estar entre familiares amigos. Uns cozinhavam, outros limpavam a cozinha, outros cuidavam das crianças, outros despreocupavam-se, enfim. Ninguém se sobrecarregou.
Lembrei de algumas passagens da vida. Meu pai adorava festas, adorava reunir amigos e parentes em casa. Era tradicional a festa que dávamos no final do ano, juntava muita gente em casa. Muitos acabavam ficando e dormindo e passando o dia 1º conosco. A casa ficava lotada, e meu pai amava isso. Eu não gostava tanto não. Sempre gostei de um espaço mais reservado onde se pudesse fazer silêncio sem incomodar ninguém com isso, e a ausência desse cantinho de silêncio me angustiava.
Mas não agora. Hoje vivemos em sítio, não nos falta lugar. De silêncio, de música, de conversas, de risos. Tudo. E assim, descobri o prazer de receber queridos amigos em casa com a opção de não participar de uma conversa sem ofender, sem ser indelicada. Pessoas simples que entendem serem normais as diferenças e os momentos - e se não entendem também não interessa, respeitam a privacidade. Gente muito boa de receber como visita.
Voltem sempre. Foi ótimo.
Mas estou com ressaca.

(Quadro que ilustra este texto: Celia Amorós Boix, Farra)

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

A máscara


Estava entediada pelo trabalho maçante de nove horas diárias a que estava obrigada a suportar. Não contribuía em nada para o seu desenvolvimento profissional, não acrescentava nada, não trazia qualquer novo desafio, pequeno que fosse. Mas era o ganha-pão, o que a sustentava na vida. O dinheiro era pouco, mas suficiente para sobreviver. Sobreviver, no entanto, era pouco para ela.
Nunca planejara ser rica. Como que numa vidência natural, sabia que jamais teria muito dinheiro. A certeza era a mesma que a fazia saber que nunca passaria fome. Teria dias em que não poderia comer um pastel no meio da rua, mas sempre haveria algo na geladeira ou no armário de sua cozinha. Não se podia dizer que tinha ambições em relação a dinheiro, mas era inegável sua sede de vida plena. E vida plena, para ela, não condiz com um trabalho diário de nove horas.
Inconstante como era, muitas vezes temia a si mesma. Ao tomar consciência de seu temperamento passou a não mais planejar o futuro, quase nada além de 24 horas. Planos para uma semana então era algo sufocante, angustiante, quase intolerável. Futuro, para ela, é a última letra de uma palavra que começa a ser escrita - transponível em menos de um segundo. Depois é presente e aí já foi, mudou, deixou de ser.
Tanta irriquietude não combina com o casamento que leva, feliz, por nove anos, muito menos com o emprego medíocre que na verdade, se largado, não faria a menor falta no orçamento doméstico. O salário do marido é mais que suficiente para os dois. Não puderam ter filhos e ela se acostumou com a idéia após um período natural de tentativas vãs e melancolia. Hoje sabe que o que mais a frustrou nisso é que estava impossibilitada de algo. Não podia engravidar. Nunca fez questão de ter filhos enquanto pensava que os poderia ter quando desejasse. Mas quando o resultado dos exames saiu e o médico anunciou o diagnóstico, doeu-se. Coisa do passado.
Não conseguia mesmo era se conformar com sua conformidade em relação ao trabalho imbecil que tinha. Iniciou uma investigação minuciosa de seus sentimentos, de seu modo de ver a vida, de suas expectativas. Queria descobrir o porquê. Tudo tinha um porquê, acreditava. Passou dias e dias dispersa de tudo que não fosse sua lupa psicológica, ao ponto de ser chamada atenção não apenas no trabalho como principalmente dentro de casa. Seu companheiro não conseguia participar daquela investigação solitária, sequer sonhava com toda a ebulição interna que se passava com sua mulher. E achou ruim, estranho, sentiu-se abandonado. Regurgitou suas impressões de maneira suave e não obteve o retorno desejado; estava prestes a fazê-lode forma violenta, aos berros que fosse, mas exigiria de qualquer maneira o seu direito de participar da vida daquela mulher que ele amava tanto, mesmo depois de quase 11 anos de convivência.
Ela sequer notou a aflição dele. Era feliz ao lado dele, qualquer insinuação contrária a isso seria mentirosa. Entretanto, nunca abrira mão de seus momentos altruístas, e estava passando por um destes agora. Não há espaço para dois.
Aquilo virou obstinação, quase. Por quê? O que a impede de jogar fora o que não está lhe fazendo bem? Nada. Não, tem alguma coisa escondida aí.
Estava num jantar com amigos, sábado à noite, programinha moroso e agradável. No meio de uma conversa banal, uma amiga soltou a preciosa palavra: MÁSCARA. Era isso! Ela não prestou atenção no restante da conversa, não lembra de sua despedida, nada. Não teve sono. Não abriu a boca. A mente fervilhava. Descobrira a verdade, seu santo graal.
Era feliz. Tinha o suficiente para ser feliz. Não lhe sobrava muito nada, mas tudo estava na medida mínima exigida. Não podia reclamar de nada. E o problema estava aí: NÃO PODIA. Ela tinha que poder. Sempre, tudo. Não podia não poder. O trabalho. A mediocridade do emprego. Era isso: do trabalho podia reclamar, todos entendiam, uns porque acreditam que o trabalho é essencial na vida, outros porque acham que dinheiro a menos sempre faz falta. Ou simplesmente porque todo mundo reclama do trabalho. Se todo mundo pode, ela também pode.
Passou o domingo cismada. O que fazer, diante da descoberta? Sentiu-se mal, depois sentiu-se liberta de alguma forma. Passou o dia alternando o humor. Não conversou sobre o assunto com ninguém.
Chegou a segunda-feira. Foi ao trabalho pontualmente, como sempre. A primeira coisa que olhou foi a mesa de uma colega, repleta de pastas e papéis desarrumados, uma imagem de caos que ela sempre odiou. E reclamou. Da colega, da bagunça, do excesso de trabalho, do salário ruim... Reclamou, reclamou e reclamou. E desde esse dia, um bom observador poderia perceber o prazer dessa mulher a cada reclamação feita relativa ao trabalho.
Ela podia reclamar. Ao menos do trabalho.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Sem assunto


Dia quente, noite fria e silenciosa. Vento forte açoita as árvores que se livram das folhas e dos galhos mais frágeis. Acomodada de frente ao computador, apenas o movimento das mãos denunciam o ser vivo e pulsante que lá existe e parece insistir num disfarce mal arranjado de estátua. Jogo algum joguinho estúpido com os olhos vidrados, a mente aparentemente abandonada.
Reflito sobre um milhão de coisas, assuntos rápidos que não merecem destaque senão por alguns segundos. Uma sucessão deles. Casa, trabalho, lembrança de alguém ou de algum trecho de conversa, de algo não dito, sobre o quê vou escrever amanhã?, um beijo dado pelo sobrinho como num desafio aos colegas na porta da escola, o Jornal Nacional disse que Lula havia lançado uma refinaria em Pernambuco - olha que coisa boa, meu irmão bem que podia arranjar um trabalho por lá, mas não, é melhor que ele fique de fora dessa roda-viva de cargo comissionado - e chega. Certos assuntos vão e voltam, fragmentados, procurando um ângulo inusitado, um contraditório, qualquer coisa e coisa nenhuma.
Ganhei mais uma partida, agora é "ok" "jogar novamente" "yes" e a distração recomeça.
Poderia estar lendo um bom livro, tenho vários guardados na minha estante improvisada. Poderia assistir a um bom filme, tenho vários também. Na TV está passando aquela novela que está na fase final - novela costuma ficar pouco melhor quando está chegando ao fim - mas eu quero mesmo é continuar do jeito que estou, estúpida, sentada, pensamento estradante (essa é em homenagem a Dimas e seu magnífico "estradar").
Penso no quanto é produtivo estar ocioso e o tema se fixa por minutos. Houve um tempo em que minha vida era trabalho e eu acreditava que essa era a única forma de estar feliz; era meu ar, meu cigarro, meu amante, meu tudo. Mudei. Radicalmente. Ano passado fiz um teste e descobri que posso viver sem ter um trabalho externo. Foram nove meses de pernas para o ar, trabalhando em casa de vez em quando. Descobri que nasci pra isso. Quero tornar o ócio meu novo amante, e acho que está pintando clima.
Um tema puxa o outro. Trabalho, relações de amizade nascidas do ambiente de trabalho, dinheiro, dívidas, tempo de fartura, decepções com a fartura, meu casamento, meu grande amigo e ex-marido, sexo, mudanças de endereço, retratos de outra paisagens.
Continuo sentada em frente ao computador, no tal joguinho estúpido na sala escura. Lá fora o vento ainda corta e de vez em quando solta uivos assustadores. Alguns relâmpagos rasgam a escuridão provocando ansiedade nas cadelas que não sabem se latem para o estranho, se mordem ou se uivam com ele. Minha cunhada ainda não chegou da faculdade, coitada, queria que não chovesse até ela chegar em casa seca e em segurança. O vento continua castigando, minha mente continua a estradar. Isso tem que parar, já são mais de 11 horas da noite e amanhã levanto cedo para o trampo. Então lembro que vou escrever neste blog e ainda não pensei sobre um tema interessante e começo a relembrar em tudo que pensei e...

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Carta ao Presidente


Caro presidente.

Não vou lhe chamar de excelentíssimo, nem de Luiz Inácio Lula da Silva. Presidente sim, eu chamo sem problema, até porque eu também o ajudei a estar ocupando este cargo. Mas gosto mesmo é de "Lula". "Lula". É esse o nome certo.
Lembro de vários jingles de várias campanhas suas. Ainda me arrepio quando lembro perfeitamente do clipe em que monstros da MPB capitaneados pelo Venerável Chico cantaram juntos "sem medo de ser feliz, lula-lá". Lula lá. Demorou, mas conseguiu. Conseguimos, aliás.
Chorei pra caramba quando você ganhou a eleição em 2002. Junto com a natural emoção, misturada com uma incredulidade de criança que descobre um presente ao pé da árvore de Natal mesmo não acreditando em Papai Noel, eu chorei de frustração. Não sabia, mas aquela seria a primeira vez que a decepção com você produziria lágrimas em mim. Se bem que... daquela primeira vez, a culpa não foi sua, propriamente, mas tem ligação com você. É que depois de tanto trabalho VOLUNTÁRIO na campanha, bem no finalzinho da tarde daquele dia histórico, quando todos se preparavam para sair do comitê e invadir e tomar o Marco Zero do Recife, bem naquela horinha... bom. Percebi um incômodo, um queimor, uma dor, uma situação incapacitante. Fui para casa. No outro dia, já no médico, descobri que tinha hemorróida. A parte boa é que não tive ressaca, como TODOS os meus amigos tiveram naquela segunda-feira.
Aí depois vieram as escolhas para os cargos comissionados. Sinceramente, quando vi um ladrão sendo escolhido para liderar um órgão federal, tremi. Achei que não era coisa sua, claro, era coisa dos militantes da terrinha, e tal. Mas aí veio outro, e outro, e... os ministros!!! Pois é, se eu sabia que ali tinha bandido, duvido que você não soubesse também. Mas tudo bem, eu estava disposta a engolir estes sapos. A oposição começou a tirar onda da cara da gente no meio da rua, "e aí, tá vendo que é tudo igual", e a gente "não, que nada, espera pra ver, ele vai dar um chute nessa corja, espera", e eles "vai... sei. Ele vai é engordar de tanto jantar soturno, vai virar um gordo usineiro pefelista igualzinho aos nossos". Gozação, camarada, , eu ouvi um monte. Sapos. Barbudos, carecas, inteligentes, imbecis, todos sapos. E nós engolimos.
Pra encurtar a história. No primeiro escândalo eu disse "bem-feito, descobriram tudo, os traíras vão começar a sair. Aí veio o segundo, o terceiro, o... tá em que número mesmo? Não sei, presidente. Perdi a conta. Desde que estourou o mensalão, me desliguei de política. Não quero saber, chega, tortura nunca mais.
O seu governo ferrou com meus sonhos, tirou meu alicerce, transformou a minha vida. Hoje estou mais egoísta, mais incrédula, ainda sem chão e sem rumo. Não creio mais em instituição nenhuma. Eu, que era uma sonhadora. Vê, o que fez? E sou só um exemplo, conheço muitos nesta situação.
Senhor presidente, não estou satisfeita com o seu governo e estou decepcionada com você. Ainda assim, não me arrependo em nada por ter votado em e para você. Só me arrependo mesmo é de ter mantido tanta expectativa. Esqueci que você não é santo. E mesmo que fosse não adiantaria, sou atéia.
Desejo que tenha sorte no seu final de governo, agradeço a melhoria de vida de milhões de brasileiros famintos. Acho que ainda voto no senhor. E ainda me resta uma esperançazinha: a de que você ao menos esteja se sentindo mal com tudo isso que você teve que fazer para se manter no poder. Pelo menos que tenha perdido algumas noites de sono.
Ao menos isso.
Bom dia, Lula. Sorte.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

É dia de feira


- O morango tá a um real aqui, moça!
- Quer levar abacate? Faço três por um real pra senhora.
- Olha que beleza de laranja, freguesa! Vai querer quantas?

Domingo. Feira livre. Famílias inteiras reunidas obstruindo ainda mais o parco espaço entre duas calçadas, já interrompido por barracas no meio. Homens, mulheres. Velhos, sobretudo. Crianças. Cheiro de fritura no ar. Barulho, muito barulho. Um rádio toca alto, as pessoas conversam alto, os feirantes gritam. E eu ali, no meio daquele caos agendado. Manhã de domingo.
Depois de fazer algumas compras, só ando. Caminho entre as barracas de frutas e verduras, depois passo no setor de roupas, findo a linha reta no ramo da pirataria, onde adiciono mais itens na sacola que me custara dois reais há dois minutos. Volto. Roupas, frutas e verduras, frituras, biscoitos, grãos, frutas e verduras, pracinha, banco. Sento. Olho. O ônibus passa, o motoqueiro mascarado passa, o carro pára e a mulher desce e o carro sai à procura de estacionamento, o cara distribui jornais gratuitos (a favor do governo local), o menino vende jornal por cinquenta centavos (contra o poder local). Pego um e compro o outro. Não leio, exceto manchete. Nada novo.
Retomo a atenção ao caos programado em que me encontro. Há gente aferindo pressão numa barraquinha. Tem pessoas que saem de lá com um diagnóstico de pressão alta e decididas a comprar mais legumes e verduras e frutas, e o fazem, para depois parar numa barraquinha e pedir um pastel com caldo de cana. A variante é a coxinha. Chego a flagrar um hipertenso seguindo este roteiro, e não tenho dúvidas de que seja a rotina de outros.
Olho em volta. Nada da figura.
Encontro um conhecido. O cumprimento, trocamos algumas palavras gentis, ele segue e eu fico. Sentada no banco, observando, olhando, esperando, indo.
O som está agradável, até. Não gosto de música sertaneja, mas reconheço que esta vem bem a calhar. Afinal, não estou em cenário de bossa nova nem tampouco de rock. E música sertaneja nesse contexto até que é bem agradável. Só estranho é que o cheiro das verduras não domine o espaço. Meu olfato registra fortemente a presença de frituras e da poluição gerada por carros mal cuidados, principalmente ônibus e caminhões que circulam nos arredores. Queria sentir o cheiro do coentro, mas aqui não tem disso não. Coentro sim, existe; mas o cheiro não. Deve ser produto típico nordestino. Deu saudade.
Chega, né? Mais de duas horas nessa observação e nesse devaneio preguiçoso e me dou conta que poderia fazer o mesmo em minha casa. Não teria o cenário da feira, só que a memória não é tão fraca assim, dá para o gasto. Vou pra casa. Ah, lembro que não comprei côco seco. Quero fazer doce de côco. Passo no mercado, depois pego o ônibus e volto. Passo novamente na feira. Essa agitação me é agradável, o barulho me soa como uma lembrança boa de tempos pré-adolescentes, sinto vontade de escrever sobre tudo isso. Olho mais uma vez pela janela do ônibus.
Volto pra casa, sacola cheia, de bem comigo. Gosto de feira. Tomo uma dose de cachaça em casa. Amanhã - hoje - faz 15 anos que minha irmã morreu. Mas eu realmente gostei muito de ir à feira. Pena que não vi o sorriso. Gostei do som. Vou escutar um dos três CDs piratas que comprei na barraquinha. Droga: amanhã - hoje - é segunda.