quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Definitivo


Há tempo não vejo a imagem de meus meninos
Nem consigo me balançar na rede da varanda
Muito menos sonhar de olhos abertos
Ou sentir o perfume dela.
Há tempo deixei de sorrir francamente
De olhar para os lados quando caminho
De observar rostos, rugas, peitos
De ser sincero comigo mesmo.
Há tempo minha vida segue sem rumo
Sem mapa, sem motivo, sem mar
E toda terra que avista é um porto
No qual não quero ou não posso atracar.
Há tempo eu lamento em vão
Em segredo, com vergonha, vencido
Atrás de culpas, culpados, perdões e perdas
Dando voltas e voltas em torno de mim mesmo.
Há tempo não tenho sossego
Não tenho razão para seguir ou ficar.
Há anos que me assombro com
Minha própria solidão.
Há tempo não me iludo com felicidade
Nem peno com o sofrimento de ninguém
Há anos desisti de sonhar
E adio o adeus enfim assumido.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

No xadrez


Semana passada eu postei aqui um artigo sobre pirataria e gostei muito de descobrir que os frequentadores habituais estão todos aptos a embarcarem comigo no elenco de Piratas da Banca, próximo filme de Spielberg ambientado na Feira Livre de Alfenas e estrelado por Nicolas Cage - ícone da geração dos genéricos (falso como nota de R$ 500; difícil de encontrar como nota de R$ 1,00).
Ontem foi domingo e, como de hábito, fui à feira para comer pastel, ficar sabendo das fofocas políticas e comprar mais e mais DVDs piratas. Não contente de cometer o crime sozinha, levei quatro cúmplices, dos quais dois menores de idade, meus sobrinhos, que me dão a desculpa necessária para o caso de uma batida policial (a depender da simpatia do sujeito: "os meninos só estavam vendo, seu guarda..." ou então "Os DVDs estão com os pirralhos, moço!").
Planejava pegar hoje "Meu nome não é Jhonny". Combinei semana passada com o meu, digamos, "fornecedor" de pegar o filme, junto com "O amor em tempos de cólera", sendo que este último não era garantido, o cara ficou apenas de tentar arranjar.
Estamos já chegando na boca do setor de importados quando vejo um mangana fardado conversando com o vendedor. "Que cara de pau", pensei. "Fardado e comprando DVD pirata. Ele não sabe que é crime?". Aí vi que tinha poucos DVDs na banca e por acaso todos estão empilhados. Inocentemente, pego a pilha e começo a ver um por um. Por acaso levanto os olhos e vejo o policial me encarando.
"Vixe", falei para o meu irmão, "acho que é melhor a gente ir para outra banca. Esse policial aqui não tá me cheirando bem". E meu irmão: "Maninha, num tá vendo? É batida policial na feira, estão apreendendo tudo!". Aí é que eu vi que aquela pilha que tava na minha mão na verdade foi reunida pelos policiais para a apreensão. E também compreendi aquela cara de "tá pensando que eu sou mané?" que o policial usava para me encarar.
Meu irmão deu ré junto com a esposa e os filhos e eu segui a trilha comercial para saber se ainda dava tempo de pegar meu filme com o fornecedor (quem sabe os policiais tinham deixado para dar um bacolejo na banca dele por último né? Sou uma pessoa otimista). Quando chego lá, que alegria! Os DVDs estavam todos espalhados na banca, e o vendedor estava encostado no pau da barraca (sem maldade, pessoal). Começo a olhar a mercadoria e nem tenho tempo de pegar em algum exemplar. Os manganas aparecem assim, do nada. Saio de fininho e olho para o vendedor, impressionada porque não havia tentado correr. Olho mais direitinho e vejo que o pobre está é algemado à barraca!
Resolvi deixar para pegar o filme na semana que vem. Sei lá, procurar confusão para quê, né? Juro: por um instante Teco (meu neurônio mais inteligente dos dois) chegou a imaginar que estava fazendo parte de uma refilmagem pirata do filme "BOPE". Até pensei que Wagner Moura ia sair a qualquer momento de dentro de uma das bancas de roupa, me surpreendia no meio do caminho e dizia: "Perdeu, perdeu. Pede pra sair, pede pra sair".
Antes que o Capitão Nascimento chegasse para acabar de vez com meu domingo, me reencontrei com a família e fomos todos comer pastel de feira.
A vida é dura, camaradas.
Agora, filminho novo só na semana que vem.
Ou, como dizem por aqui, "hoje, só amanhã".

domingo, 20 de janeiro de 2008

Depois de uma noite assim


O dia desperta elétrico
Após uma noite ácida
De pupilas dilatadas
De riso frouxo estraordinário
O dia desperta assim
Como quem sempre foi assim
Impaciente, à espera da rota
E quem disse que não se pode rir assim?
A noite caiu devagar, muito devagar
Com todas as suas luzes destacadas
E mistérios solucionados
Simples, mágico, comum, sano.
Os risos se foram assim.
Surgiram do riso do riso do riso
Da mulher com seu wonka
De cabelos em pé
E as cores vívidas de um comercial recordado
Ainda mais engraçado
Quando o wonka levanta e se revolta
Por ter sido chamado de wonka. O wonka.
O dia ressurgiu
Depois de uma noite assim
Afinal, quem precisa dormir?

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

"Polvinha"


Para mim, uma das maiores provas de que deus não existe é exatamente a existência dos mosquitos. Se deus é tão bom, tão magnânimo, tão inteligente, tão deus, por que diabos inventaria os insetos, e ainda mais aqueles que gostam de sangue humano? Hum hum, isso não é coisa divina.

Sei do valor que têm na natureza, mas não dou a menor bola para isso. Detesto os que sugam meu sangue, detesto os que caem em cima de mim, detesto os que ficam na tela do computador lendo minhas confidências de e-mail. Detesto ainda aqueles que acham que podem me matar ao me morder, e detesto ainda mais aqueles que podem me deixar doente com uma simples chupada de sangue. Desgraçados. Não sabem preservar o espaço dos outros, os bixiguentos!

Aqui no sítio, no sul de Minas, tem um tal que o povo chama de "polvinha" (pólvora pequena, polvorazinha). O treco nem tamanho tem. É um bichinho preto redondinho com uma mordida ardida que é o cão. Já tirou meu sono por várias noites, uma única picada! Depois do ardido inicial, vem uma bolota no lugar que incha. É pior que os malditos borrachudos, pior até que maruim.

Felizmente, aqui estamos livres do mosquito da dengue, raríssimo no campo. Tomara que a regra seja válida para o mosquito da febre amarela.

Outra coisa que acho interessante é a preferência dos mosquitos chupadores de sangue. Borrachudos e maruins preferem pernas. "Polvinha" tem uma preferência dantesca por braços e barrigas, mesmo que estejam escondidos. E são burros: ainda não aprenderam o que é repelente.

Vou tentar pendurar uma espingarda na parede para ver se eles se unem e formam uma bala. É mais uma tentativa, e por mais absurda que pareça, qualquer uma é válida.

Acabo de descobrir que o bicho é tão bixiguento que nem foto dele tem no google. Tudo bem, fico com a foto de um outro vampiro-mirim qualquer.


sábado, 12 de janeiro de 2008


Todos os domingos, faça chuva ou faça sol, vou à feira livre da cidade. Verduras, legumes e frutas ficam sempre em segundo plano. O que eu quero mesmo é comer pastel e ficar observando aquela bagunça generalizada de vozes, passos, movimentos, cores. Mas vou cedinho, que é pra não pegar o ápice da muvuca, pois doidice tem limite.

E não tem um domingo que eu vá a feira sem trazer uns filminhos piratas para ver no final de semana. A concorrência aqui é tão grande que tem banca vendendo filmes por R$ 2,00. Promoção: o preço certo são três filmes por R$ 10,00, com direito a troca, se por acaso você comprar uma capa de "E o vento levou..." e em casa descobrir que na verdade comprou "Sete homens, oito segredos, nove posições e dez gatinhas".

Quando falo sobre essa minha, digamos, "compulsão" para comprar filmes piratas, normalmente alguém chega com um "você não tem vergonha? Pirataria é crime, tira o dinheiro dos produtores, dos investidores, dos artistas, dos...". Lamento por todos eles, falsamente. E tenho um discurso social de desenvolvimento da economia solidária e incentivo à geração de renda para rebater. Tudo falso, claro, como os DVDs.

Que posso fazer se o aluguel de um filme é R$ 6,00 com toda aquela frescura de ter que entregar no dia certo e na hora certa, preencher ficha, pegar ticket? E se eu quiser comprar um filme legítimo mesmo, aqui na cidade nem tenho onde. Se eu quisesse, claro, porque os filmes que amo de verdade, aqueles que tenho vontade de ver e rever, estes sim, faço questão de ter o verdadeiro. Mas o resto, esses que compro para passar tempo e divertir, ah... Nem vem que não tem. Sou incapaz de pagar 40 paus para assistir ao "Motoqueiro Fantasma". É desse nível.

Outra informação para os críticos deste post: onde moro não há NENHUMA SALA DE CINEMA. O cinema mais próximo fica na terra do ET mineiro, 70 quilômetros distante daqui. Vai pensando que vou rodar 140 quilômetros para assistir a um filme que no domingo encontro na banca por no máximo R$ 4,00.

Ah, outro pecadinho: sempre tirei xerox dos textos recomendados pelos professores universitários. Quando cursava o colegial tive todos os livros originais - o dinheiro para comprar aquelas porcarias não saía do meu bolso. Não faço a menor idéia do que fiz com eles, possivelmente emprestei para alguém que me fez o favor de nunca mais devolver. Tive que ler todos aqueles: "O escaravelho do diabo", "A morte tem sete herdeiros", "O caso da borboleta Atíria" (acho que o nome da borboleta era esse mesmo), etc. Nunca tive nenhum professor de Português para sugerir a leitura de um Monteiro Lobato, por exemplo.

Epa, tô tomando outro rumo. Voltando.

Acabo de lembrar outro dado importante: aqui na cidade só tem uma loja que vende CD original. Tem de tudo que você possa desejar: sertanejo, axé, sertanejo, axé, sertanejo, axé, sertanejo e Ivete Sangalo, que agora foi aclamada como musa da MPB - não deveria ser de axé?

Nada contra toda essa variedade de ritmos disponível no mercado alfenense, mas o que fazer se sou chata e não gosto de nada disso? Em compensação, tem uma loja estabelecida bem juntinho da prefeitura que tem um acervo razoável e realmente variado, onde encontro alguns CDs de artistas que eu gosto. Tenho culpa se a loja só vende produtos piratas?

Aqui também tem um restaurante japonês. O sushi, única alternativa "japonesa" do cardápio, é pirata, uma grosseira falsificação feita com peixe congelado que me recuso a comer. Sempre vejo este restaurante com movimento maior durante os dias quentes, donde presumo que o picolé de sushi deve ser ao menos refrescante. Só que nesse ponto sou rígida: para matar a sede, três opções apenas: cerveja, coca-cola ou, em último caso, água. Nesta ordem. E todos legítimos (vai, tudo bem, confesso: não faço questão da legitimidade da água).

Sei que pirataria é crime. Quando estudava Direito, o professor deu uma aula só sobre o tema, assunto de prova. Depois da aula ele anunciou que quem quisesse estudar mais sobre o assunto, podia pegar uma cópia de um texto maravilhoso que ele tinha separado para nós. Deixou nas mãos da Madalena, aquela que trabalha naquela casa de Xerox amarela, sabe qual é? Aquela casa que fica bem em frente à banca de Ednaldo que, aliás, vendia mais caros os DVDs de Direito que os professores passavam para os alunos... Um ladrão, esse Ednaldo.




Magoada


Ela achava que nunca ia passar, apesar de dizer a todos que a mágoa era coisa do passado. Cinismo duplo: sabia que não convencia ninguém, muito menos a si própria. Dois anos, quarenta e sete dias, e algumas horas de dedicação máxima a alguém que, de uma hora para outra, a trocou pela outra. E que outra!

Uma outrinha qualquer, vulgar, metida, feia. Inculta. Imatura. Chata. Desagradável. “Vagabunda!”, chamava-a, sem mais mais. Não reconhecia “naquela” qualidade alguma que pudesse atraí-lo, ele, homem tão metido a clássico, culto, inteligente, tão ... tão. Um falso, afinal de contas. Um qualquer que sequer a merecia (a ela, que pensava... a ela, que sentia...).

Tentou voltar, tentou alertá-lo para o arrependimento que teria ao trocá-la pela outrinha. Por outra, tudo bem. Pela outrinha não. Mentira. Qualquer outra seria uma outrinha qualquer. Ela não queria perdê-lo por nada, nem para ninguém. Era a vida que lhe sugavam assim, sem recompensas e sem pedidos de licença.

Quem ele pensava que era, afinal? Um pobre-coitado, que não tinha nada de seu para oferecer a alguém, um mero conquistador de quinta categoria. Epa: quinta categoria também é demais. Ele tem charme sim – reconhece. Sabe agradar uma mulher. Sabe ser doce. Sabia dizer que amava como ninguém. Ah, e aquela voz... Falava em seu ouvido, rouco, baixinho, exatamente o que ela desejava ouvir, sempre, todas as vezes. Infalível, ele. Epa: infalível também não. Um safado, inseguro, indeciso, mentiroso.

A dicotomia dos sentimentos causava a ela profundo mal-estar. Amava e odiava, a ele. Odiava e odiava, a outrinha. Ela precisava fazer alguma coisa para livrá-lo das garras daquela outrinha. Mas não... Deixe-o como está, terá o castigo que merece. Merece sim, o vagabundo falso, que não soube reconhecer o valor da grande mulher que era.

É... Sabe? O melhor castigo que podia desejar praquela outrinha, a outrinha mesmo acolheu de braços abertos: apaixonar-se perdidamente por ele. E que ele tenha se apaixonado pela outrinha também. Não resta dúvidas que irão desfrutar de muitos momentos deliciosos. Mas depois... ai ai.... ela sabia o que a outrinha ia saber... Bem feito!

Ela ainda morre de saudades dele. Nos braços de outrinho, é verdade. Mas sente uma falta...


(2005)

sábado, 5 de janeiro de 2008

Perdeu, perdeu!


Roubaram uns jacarés albinos do zôo. Alguém tava a fim de umas botas brancas, pelo visto. Ou uma bolsa caprichada, exótica, inimitável. Típicos presentes de coronel para amante - taí, uma pista para a polícia começar a sua investigação. Outra probabilidade de destinação dos jacarés albinos seria o tráfico para o exterior. Até já imagino uma "mula" carregando um jacaré amarelinho esbranquiçado pelos aeroportos brasileiros.

Policial federal:

- Senhor, que bicho é esse que o senhor traz nos braços, amarrado a uma correntinha presa ao seu bolso?

Traficante mineiro:

- Bicho? Que bicho? Onde? Ah, isso... Esse trem é um queijim mineiro que tô levando para o meu irmão nos Estados Unidos...

Traficante paulista:

- Pô, meu, num tá vendo? Que saco, tem que explicar tudo pros polícia. Bando de gente ignorante, nem reconhece marca famosa francesa. Comprei na Daslu! Sabe cumé, prêmio de consolação que eu me dei depois da maior desgraça do mundo, o rebaixamento do Curíntia... Buááááá...

Traficante carioca:

- Que mané bicho? Onde você tá vendo bicho? Mermão, sarta fora, num te mete que é melhor pra tu. Fica pianinho, faz de conta que tu num viu nada. Se tu for dizer que viu um jacaré branco no pescoço de um malandro em pleno Tom Jobim, mermão, te internam diretinho no sanatório. Vão dizer que tu cheirou. Fica quieto, mangana, me deixa passar...

Traficante pernambucano:

- Hein? Bicho? Vixe, como essa lagartixona veio parar aqui? Vou jogar ela lá da janela do avião pra essa bicha nunca mais se metê cum cabra macho, pode deixar comigo!

.......................

Numa hora dessas os jacarezinhos já devem estar sendo alimentados com hamburguer e batata frita na mansão de algum milionário americano doido por bichos exóticos. Não sem antes ter dado uma passada na Disney e brincado com o Pateta. A Branca de Neve até pensou ter encontrado a sua cara-metade.

Veja só do que Sivuca escapou.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Agradecimento sincero


Recebo a flor perfeita com um sorriso largo e emocionado;
coloco-a num delicado vaso,
ao lado de minha cama,
sentindo o seu perfume exalar em todo o meu ser.

Não sairá da minha memória.
Estará sempre em minha lembrança
a imagem do poeta plantando-a, regando-a,
e esmerosamente entregando-a para mim.
Cumpriu, e permanece a cumprir,
a maravilhosa missão de fazer aflorar em mim
emoção e sorriso,
e um terno agradecimento por existir,
criador e criatura.


(2005)

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Cores do fim de ano




Tradicionalmente uso branco em festa de fim de ano. Com exceções.


Uma vez usei amarelo - dinheiro, dizem. Resultado: foi o ano em que levei um calote de seis meses de trabalho e passei o maior miserê da vida. Outra vez vesti vermelho, procurando uma paixão arrebatadora prometida por inúmeros sites, revistas, jornais, programas de TV, etc. Não lembro se tal paixão veio, mas acho que se tivesse vindo eu lembraria.


No ano em que Cássia Eller morreu, por revolta vesti preto. Decidi não comemorar o final do ano, fiquei no apartamento com uma camisola preta assistindo a filmes. Nada de estranho aconteceu neste ano, que eu me lembre. Ah, e teve uma vez que resolvi testar tudo, e fui coloridíssima para a beira-mar de Copacabana, sob protestos veementes de minha mãe. É, foi um bom ano este, em todos os aspectos. Droga, só estou me lembrando disso agora. Devia ter lembrado ontem. Rompi de branco.


Com exceção do ano em que fiquei de luto por Cássia Eller, todos os outros eu estive na beira-mar para ver a passagem do ano velho para o novo. Em 2007 foi diferente: fiquei no sítio. Não tive coragem de ir à beira do lago de Furnas para molhar os pés. Encontrei outra solução: mergulhei, de roupa e tudo, na piscina, arrastando familiares. Foi uma grande farra. Agora começamos 2008, e ao final quero saber se essa simpatia da piscina com roupa branca vai dar certo. Dia 31 de dezembro eu conto. Mas acho que vai dar.