sábado, 12 de janeiro de 2008

Magoada


Ela achava que nunca ia passar, apesar de dizer a todos que a mágoa era coisa do passado. Cinismo duplo: sabia que não convencia ninguém, muito menos a si própria. Dois anos, quarenta e sete dias, e algumas horas de dedicação máxima a alguém que, de uma hora para outra, a trocou pela outra. E que outra!

Uma outrinha qualquer, vulgar, metida, feia. Inculta. Imatura. Chata. Desagradável. “Vagabunda!”, chamava-a, sem mais mais. Não reconhecia “naquela” qualidade alguma que pudesse atraí-lo, ele, homem tão metido a clássico, culto, inteligente, tão ... tão. Um falso, afinal de contas. Um qualquer que sequer a merecia (a ela, que pensava... a ela, que sentia...).

Tentou voltar, tentou alertá-lo para o arrependimento que teria ao trocá-la pela outrinha. Por outra, tudo bem. Pela outrinha não. Mentira. Qualquer outra seria uma outrinha qualquer. Ela não queria perdê-lo por nada, nem para ninguém. Era a vida que lhe sugavam assim, sem recompensas e sem pedidos de licença.

Quem ele pensava que era, afinal? Um pobre-coitado, que não tinha nada de seu para oferecer a alguém, um mero conquistador de quinta categoria. Epa: quinta categoria também é demais. Ele tem charme sim – reconhece. Sabe agradar uma mulher. Sabe ser doce. Sabia dizer que amava como ninguém. Ah, e aquela voz... Falava em seu ouvido, rouco, baixinho, exatamente o que ela desejava ouvir, sempre, todas as vezes. Infalível, ele. Epa: infalível também não. Um safado, inseguro, indeciso, mentiroso.

A dicotomia dos sentimentos causava a ela profundo mal-estar. Amava e odiava, a ele. Odiava e odiava, a outrinha. Ela precisava fazer alguma coisa para livrá-lo das garras daquela outrinha. Mas não... Deixe-o como está, terá o castigo que merece. Merece sim, o vagabundo falso, que não soube reconhecer o valor da grande mulher que era.

É... Sabe? O melhor castigo que podia desejar praquela outrinha, a outrinha mesmo acolheu de braços abertos: apaixonar-se perdidamente por ele. E que ele tenha se apaixonado pela outrinha também. Não resta dúvidas que irão desfrutar de muitos momentos deliciosos. Mas depois... ai ai.... ela sabia o que a outrinha ia saber... Bem feito!

Ela ainda morre de saudades dele. Nos braços de outrinho, é verdade. Mas sente uma falta...


(2005)

3 comentários:

Canto da Boca disse...

Hum... Pensando aqui, será? Será que é mesmo o que eu estou pensando. Diaxos!
Viajo amanhã, mana, meu amor vai tb, levo pouca bagagem e muita saudade.
Um ano de 2008 muito melhor que o de 2007.
(Fizeste tua inscrição?)
Beijos.

Anônimo disse...

Cláudia,

Um texto irresistível e delicioso de ler. Gosto quando a personagem conclui que a outrinha saberá o que ela já sabe. Soa como se alguém que já não pode fazer mais nada, percebe que a outra já está com uma bomba relógio nas mãos.

Muito bom.

Beijos,

Dimas

Josias de Paula Jr. disse...

Continuando Dimas, o "nó" está sem saber o que fazer com a tal bomba, deixar explodir nos braços de outros (outras), ou exoplodir-se com ela...

Muito bom texto.