Quem me conheceu depois de adulta (ou seja, de uns dois anos para cá) estranha quando eu comento sobre minha timidez. De fato, hoje não carrego nenhum traço visível de timidez em âmbito algum de minha vida. Mas até os 18 anos, eu era uma das pessoas mais tímidas que já conheci. O costume de andar olhando exclusivamente para os próprios pés era uma das minhas marcas, que chegou a preocupar um ortopedista: "essa menina terá problemas na coluna se continuar assim", advertiu aos meus pais, quando eu ainda tinha seis aninhos. Por sorte, minha coluna é perfeita.
Era daquele tipo que senta na primeira cadeira da sala de aula, colada à mesa do professor. Na hora do recreio, ia direto para a cantina e depois corria para o bosque, onde sentava num banquinho ou no chão, à sombra, e lia até tocar o sinal de volta à aula. Estudei no São Bento de Olinda. Não sei como, ainda fiz coral e teatro. Quanto a esportes, a partir dos 13 anos concentrei-me no vôlei, mas até então já tinha feito ballet, atletismo, basquete, handebol, natação. Tímida de ficar vermelha ao perceber que alguém estava me olhando. Na maior parte do meu tempo livre, estava lendo, ouvindo música ou jogando tênis de mesa.
Aos 15, mais ou menos, percebi que não dava mais para continuar com aquela timidez toda. Tentei abrir um leque, pequeno que fosse. Comecei a sair, participar de festas, fazer umas farrinhas. Mas a timidez tava ali, marcando presença sempre. Era incapaz de conversar com um estranho. Incapaz de puxar conversa com alguém que eu não conhecesse bastante. Falar sobre mim, então, era um suplício. Mal conseguia olhar nos olhos de algum paquera. Meus namoros da adolescência foram todos uns primores na arte feminina de negar e escorregar.
Aí eu quis sair de casa. Aliás, sentimento que carrego desde que me entendo por gente. Ao contrário de minhas amigas da época, não planejava um futuro com marido e filhos. Queria era ter minha grana, minha casa, e poder viajar muito. De carro, preferencialmente. Até hoje prefiro viajar de carro a qualquer outro meio de transporte. Não ônibus: gosto de dirigir meu carro mesmo.
Bom, mas quando achei que era tempo de sair de casa (18 anos) fui enfrentar um monstro do qual ouvira falar muito, mas nunca tinha visto: mercado de trabalho. Tive que ensacar minha timidez e, inexperiente, andar pelo centro da cidade com os classificados dos jornais embaixo do braço. Toparia qualquer coisa, desde que não fosse venda/comércio - nunca levei o menor jeito para isso.
Alguns meses de andada inútil e então veio a oportunidade: uma empresa de comunicação precisava de um estagiário de jornalismo a partir do último ano do curso. Eu estava matriculada no primeiro semestre... mas fui. Menti (meu rosto deve ter ficado roxo), fiz os testes e passei. Achava que tinha que mentir direito, e para isso eu não podia demonstrar aquela insegurança, aquela timidez. E assim, fazendo de conta que eu era outra pessoa, consegui o meu primeiro estágio (já fazendo campanha política), consegui adestrar - ou esconder - minha timidez, consegui a grana que precisava para pagar meu curso e me manter. Em cima de uma mentira. Enrolei o RH da empresa por oito meses, dizendo sempre que o comprovante de matrícula universitária não saia por causa da burocracia da Unicap... Quando enfim conseguiram me colocar contra a parede (curiosamente, dez dias depois das eleições), eu confessei o crime e fui demitida. Tudo bem, já tinha outros dois estágios em vista, por conta da experiência que havia adquirido...
Bom, depois disso eu só vim a sofrer com a timidez no dia em que dei minha primeira palestra. Era um encontro de jornalistas. Tudo preparado para o meu chefe fazer a apresentação do nosso projeto de comunicação. Na hora H, sabe-se lá por quê, ele mandou que eu fosse. Já estava na hora de apresentar, o projeto já fora anunciado, eu não tive nem tempo de discutir. Só senti um febrão me invadindo, o coração se agigantando no peito, tomando todo o ar disponível no mundo. Ainda quis protestar, mas o olhar do chefe não deu margem para isso. Fui. Estava absolutamente inconsciente durante os dez primeiros minutos, pelo menos. Não faço idéia do que falei, tal o pavor que sentia. Suava em bicas, senti a bexiga super-lotada. Mas deu certo, o projeto foi apresentado e aplaudido.
Passei no teste. Mas depois disso, decidi ser sem-vergonha, sem-timidez. Sofre-se menos assim. Por incrível que pareça, só não consegui superar de verdade mesmo um incômodo: falar ao telefone. Detesto, odeio, morro de vergonha de ligar para alguém. Ligar para celular, então, é um suplício dobrado. Se precisar, eu ligo. Mas não sem antes paquerar bastante o aparelho enquanto me questiono: é preciso mesmo ligar? Talvez mais tarde... Será que não vou atrapalhar?
Um inferno.
2 comentários:
Ana, muito bom esse escrito teu, me deu até vontade de tentar fazer parecido. Valeu por visitar o ponto... Até breve.
Cláudia,
Você com timidez parece uma Cláudia no mundo paralelo. Parece um negativo, uma anti-matéria de si mesma.
Taí, acho que você me deu uma boa idéia para uma crônica. Vou ver se batuco alguma coisa e coloco lá no Estradar.
Beijos,
Dimas
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