segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O Pastor


Era uma pessoa boa, decente, inatingível, forte. Um coração do tamanho de seu senso de justiça: imenso. Dele não se esperava uma agressão, uma ironia, uma pitada de mau humor que fosse. Tudo era "bom dia", "posso ajudar em alguma coisa?"; malícia passava muito longe daquela alma que, de tão mansa, podia ser confundida com subordinada. E podia mesmo, porque Jorge se posicionava como um subordinado manso diante de qualquer ser vivo.
Era tão bom, tão manso, tão subordinado, que ninguém tinha coragem de tirar proveito dele. Ninguém pedia nada a ele. Ninguém cobrava nada. Jorge sabia disso, e exatamente por isso ele se esmerava naquela fantasia idiota para aqueles idiotas do bairro.
Não, Jorge não era nada bom. A malícia era tanta que ele não deixava que ninguém a percebesse. De fato, não agredia ninguém e nem falava rispidamente: não precisava nunca, assim como não precisava demonstrar seu mau humor para aqueles pobres imbecis miseráveis que nem sabiam distinguir um sorriso amável de um sorriso irônico. Descontava toda a sua frustração (e quem não a tem?) naquela cidadezinha para qual ia a cada 15 dias a pretexto de cuidar de sua pobre e velha mãe - na verdade, uma dúzia de prostitutas e muitas garrafas de cachaça para o tal de Damásio.
O que Jorge queria, afinal? Para que se dar a tanto trabalho, disfarçando-se, vivendo uma fantasia sem necessidade? Nem ele tinha a resposta. É que a maioria das coisas que a gente faz não tem mesmo resposta alguma, embora a gente viva inventando umas para satisfazer aos outros. Jorge era assim.
Afinal de contas, quem tem alguma coisa a ver com isso?

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