segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Cultura Fluoxetina


Propôs um brinde à recente tristeza, mas foi negado: queriam brindar à alegria, à vida dos que ali estavam, à sorte da união. Queriam animá-lo, queriam fazê-lo esquecer. Brindaram. O seu copo esvaziou não em nome da farsa burlesca. Não: a mentira precisaria de refinamento. Mentiu para si que aquele ressentimento abrandaria no outro dia. Mentira diante do espelho nítido e bebera a um esquecimento que não viria a conhecer. Negou a verdade e sorveu o líquido todo, em dose única.
Pensou que esses anos não permitem tristeza. Lembrou de seu último luto, do quanto gostaria de vivê-lo com toda a intensidade possível e, no entanto, como se rendera aos encantos desgraçadamente feios e vazios da nova covardia social que dita: 'os que sentem são fracos. Não sinta!'. Foi ao trabalho quando queria enterrar-se. Tomou seu banho sonhando com um afogamento. Até amou a sua mulher naquele tempo, embora com o surreal desejo de escoar-se junto ao esperma sofridamente jorrado. E sumir, de uma vez por todas.
O uísque barato queimou-lhe a garganta e acomodou-se desajeitadamente em seu estômago revirado de amargas lembranças. Pensou em vomitar, mas isso seria bom demais para acontecer com ele. Sabia - melhor: precisava! - sofrer. Sofreria com a ressaca que, com sorte, seria tão grande que abafaria sua real dor. Sofreria uma diarréia daquelas que banham o sujeito de suor e estoura as varizes. Conseguiria mascarar sua perda tatuando-a em seu próprio corpo.
Sofreria abundantemente, como as grandes perdas exigem e a sociedade condena.
Propôs um outro brinde: à ignorância! E, desta vez, todos brindaram com ele.
O líquido vagabundo feriu-lhe novamente a garganta e descansou mais uma vez em seu estômago, a cada minuto mais revirado.

Um comentário:

Nicolau disse...

Quando eu crescer quero escrever assim. Fantástico.