sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Lição


É estando só que me revelo
Mesquinharias, grandezas,
Arco-íris sentimentais
Coleção de frustrações
Medo de ter medo
Orgulho, generosidade
Maldades vãs
Preocupações inúteis
Amizades abandonadas
Esquecidas no tempo
Deixadas de lado
Por razões que me são desconhecidas.
Por vezes receio olhar para mim
Para o passado,
Para o que fiz
Por temer não ter aprendido com erros
E prever reinventá-los,
Cotidianamente, conscientemente.
Temo ainda as ilusões
Que não consigo evitar
E assim as alimento para que sirvam
De alimento de minha alma
Sem nem sequer crer em alma.
Muitos temores,
Muitos arrependimentos inconfessos,
Muitas saudades foram e virão. Temo-as.
Temo não resistir,
Temo me abandonar
Temo não ser mais eu.
Temo uma nova identidade
Além das tantas que já assumi.
Temo ter que não temer,
E de falhar quando for preciso.
Temo não ser amada por quem amo
Me entregar de peito aberto.
Eu não era assim:
Não reconhecia medos em mim.
Mas vivi, e a experiência me ensinou
A idiotice que é viver sem medos.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Voltando


Litoral paulista, Ubachuva. Nove dias na praia, quatro dias de sol. Mar gelado todos os dias. Borrachudos todos os dias. Repelente todas as horas. Quando eu morava em Recife, me chamavam Galega; em São Paulo, me chamam Morena; e assim não sei, na verdade, se estou vermelha ou morena - só posso jurar que aproveitei cada minuto de sol e minhas costas ardem.
Também posso jurar que estou renovada, revigorada pelo mar. Estive na companhia de amigos fantásticos, o que faz com que qualquer passeio seja maravilhoso. Cinco pessoas para 22 caixas de cerveja e quilos e quilos de peixe e camarão - isso consumido na pousada, a cada noite, pois durante o dia estávamos em bar e só Ulisses, o dono do bar em Ubatumirim, sabe o quanto bebemos e comemos fora dos chalés.
Nove dias embriagada inclusive por álcool. Estranho, mas concluí que quanto mais a gente bebe, menos ressaca tem.
Não sei como, mas escrevi um bocado nesse período e ainda encontrei bastante tempo para ler "Deus, um Delírio", e encontrar respostas a enigmas propositalmente formulados para quem estaria junto ao mar. Nada de televisão, nada de jornal, mas não consegui ficar tão longe da internet como tinha me proposto: tive saudades da comunicação por e-mail, de ler os blogs, de escrever no blog.
Tudo muito bom, tudo muito bem. Mas dedico a minha primeira noite pós-praia à internet. E aos amigos distantes.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Fui

Desplugada do mundo virtual até dia 27. A todos, um bom feriado e boas farras de fim de ano!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Marginal


O que alimenta minha vida
não declaro no Imposto de Renda;
O que será do meu futuro
não consta nos formulários do INSS.
O que ganho transfiro, não para os carnês,
mas para o riso.
Meus acumulados não são aceitos
como depósito bancário.
De modo que sou pobre, sr. fiscal,
e embora creia que felicidade também merece
justa distribuição,
prefiro ser sonegadora
a entregar meu único bem
nas mãos de canalhas, eleitos ou não,
que pensam que a felicidade
pode ser sacada de um caixa eletrônico.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Vertigem


Quinta, dia 13, 7 horas da manhã. Depois de passear por todo o térreo, subo ao primeiro andar do prédio do Mercado Municipal de São Paulo. Lindo, tudo muito bonito, movimento ainda fraco. Resolvo me aproximar do parapeito para tirar uma foto de uma loja de frutas. Tiro a foto e olho para baixo, tentando encontrar algum dos parceiros de viagem.
Encontrei foi uma tontura, a sensação de que o sangue se recolhe, todo o corpo meio dopado. Não sei mais onde estou. Lembro que estou em São Paulo. Lembro de ter chegado de ônibus pouco tempo antes. Lembro que a pessoa junto de mim é amiga, que posso confiar e contar o que está acontecendo, e pedir ajuda. Sei o nome da pessoa. Sei tudo e não sei nada, ao mesmo tempo. Separadamente, conceitualmente, sei que estou num mercado, e que é São Paulo, e que viajei a madrugada inteira. No entanto, na hora da conexão destes dados em minha mente, algo falha. E, no conjunto da obra, sobra uma angústia absurda por não saber, e por lembrar que isso já me ocorreu outras vezes, e que perdi temporariamente a memória. Em São Paulo.
Me agarro ao braço do amigo, conto que estou zonza e que ele me tire dali imediatamente, me leve a um lugar afastado do parapeito, onde eu possa sentar. Acomodada, bebo água. Minutos depois me sinto bem melhor. Mas desço as escadas sem olhar para o chão e fico no térreo o resto do passeio.
Saio do mercado. Olho para um lado e outro, e não sei para onde devo me dirigir. Sei que estou perto da 25 de março (semana antes do natal!), perto da Sé, perto da Estação da Luz, enfim. Vejo a Sé ao longe. Só que não sei como chegar em nenhum desses lugares, tantas vezes visitados por mim antes. "Desmemoriada" em São Paulo! Preciso chegar na casa de uma amiga. Sei o endereço dela, até o número do apartamento. Mas não consigo lembrar do bairro, nem como chegar lá.
Me interno no ônibus da Prefeitura no qual viajei. Somente perto do meio-dia tomo coragem e, acompanhada do meu amigo, e pedindo indicações de esquina e esquina (como se eu nunca tivesse passado por estas ruas!) chego à Estação da Luz. Ligo para minha amiga, anoto direitinho como chegar na Vila Madalena. Dentro do metrô, porém, resolvo passar pela Paulista e comprar livros. Subindo a escadaria da Estação Trianon, nova vertigem. Agora, sozinha, na Paulista, carregando mala. Me enfio na Livraria Cultura, compro o que quero, ligo novamente para a amiga, e desta vez anoto tudo direitinho, como fazer para chegar ao meu destino. Morta, exausta, um pouco assustada, chego lá. Durmo, durmo, durmo. Só levanto às 20h30 com a campanhia tocando e a barriga roncando. Durante o dia, tinha comido apenas uma salada de frutas no mercado. Saímos, comemos, parei numa lan para checar se um pedido em particular tinha sido atendido: uma alegria neste dia infernal.
Volto para casa morta de cansada e durmo como criança, exausta.
Depois desta quinta, São Paulo nunca mais será a mesma para mim.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Espelho


Sou reflexo.
Não há sentimento em mim
que não haja no outro;
vejo-me no outro,
sou o outro.
Vivo nessa fantasia
de olhar-me noutro corpo;
deste interesse por algo
que é de mim, e que é de alguém,
e que, ao mesmo tempo, é só meu.
Sou espelho, apenas o que me mostram.
Se abaixam a cabeça,
meus ombros a sentem;
Ao olhar dos que amam,
respondo com paixão.
Trate-me da forma que
gostaria de ser tratado
e lembre-se de ter cuidado:
sou sua imagem distorcida,
sua alma em reflexo.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

O fundo do poço


Uma mulher se dizia vidente e ganhava bem a vida com isso. Deu ontem, na TV. Aconteceu em Belo Horizonte, mas pelo que me lembre, acontece em todas as cidades que conheço: a exploração da fé.
Não entendi bem se essa mulher de Belo Horizonte se dizia prima de Madre Teresa de Calcutá ou se o espírito que ela recebia é quem era parente da Madre. A reportagem diz que ela fazia consultas de graça, por caridade; ao mesmo tempo, mostra ela cobrando 40 reais de consulta e pedindo dinheiro para "desfazer um trabalho". A mulher precisava de 21 velas, a 50 e tantos reais CADA UMA. Devem ser velas feitas pelas mãos da Madre Teresa, para valer tanto.
Uma "crédula" deu depoimento. Procurou a vidente para ter o noivo de volta. Em dois meses de "tratamento" já havia dado R$ 7 mil à vidente e o ex-noivo não voltava. Desistiu, e só então se deu conta de que era enrolada. Tola desse jeito, imagino mil e uma razões para o ex-noivo ter dado um pontapé na bunda dela. Ela merece.
Cada um tem sua fé, acredita no que quiser. Eu mesma já fui a várias videntes quando morava em Olinda. Era divertido: juntava uma turma do Colégio São Bento e marcávamos de ir a cartomantes todos juntos, para gazear aula (também íamos muito ao zoológico quando queríamos gazear). A gente pagava o equivalente a R$ 5, R$ 10 cada um. Depois saíamos rindo muito, contando como tínhamos tentado enrolar a cartomante e como ela também tinha tentado nos enrolar. Ninguém acreditava no que elas diziam. Aquilo não era fé, era pura brincadeira.
As "adivinhações" eram sempre previsíveis. Ou você estava com mau olhado, ou tinham feito um "trabalho" contra você. Tinha sempre uma menina interessada no seu namorado, mas não era para se preocupar porque o namorado amava a cliente. Ah, e tinha sempre o anúncio de doente na família - doença cuja gravidade dependia da cara que fazíamos quando recebíamos a "notícia": se a gente não dava bola, a coisa era fácil de resolver. E algum menino sempre cultivava uma paixão secreta por nós.
Éramos todos adolescentes nos divertindo. Mesmo irresponsáveis e ingênuos, sabíamos que aquilo tudo era uma farsa, um teatrinho divertido. Que eu saiba, nenhum de nós voltou para fazer o trabalho que as videntes nos recomendavam, com velas muuuuuuito mais baratas do que essas vendidas pela mulher de Belo Horizonte.
Só não entendo é como gente adulta vai nesses cantos, acredita, e dá tanto dinheiro para ser enrolada.
Para mim, videntes são atrizes. Nunca pensei em matar Beatriz Segall por causa da sua magistral Odete Roittman; e nunca acreditaria numa prima da Madre Teresa de Calcutá que ganha dinheiro com adivinhações.
Mas cada um acredita no que quer. É muita falta de perspectiva, no mínimo. Dá até pena.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Oração Própria


Seja eu uma criança
Divertida, alegre,
Inconseqüente.
Sejam meus anseios
Simples, fáceis,
E plenamente realizáveis.
Seja minha vida
Estimulada pelos desafios,
Pelas lembranças,
Pela esperança, pelo futuro.
Sejam meus amores
Amados, sempre,
Leves, soltos, libertos,
E felizes por opção.
Seja minha liberdade
A minha canção maior,
O meu sentido,
A minha busca eterna.
Seja minha consciência
Dotada de ética,
De lisura, discernimento,
E tranqüila pelos atos.
Seja minha curiosidade
Um poço infindo,
Um poço de prazeres,
Uma fonte inesgotável.
Seja minha força
Suficiente para o necessário,
Insuficiente para causar danos
E que para sempre me acompanhe.
Seja a minha fé
Dirigida tão somente ao homem,
Às razões da natureza,
E à capacidade que há em nós.
Sejam minhas palavras,
Com ou sem nexo,
Capazes de expressar o que sinto
E convincentes na mentira inevitável.
Seja o meu prazer
Algo eternamente sagrado
Para o qual eu me dedique
Como forma de venerar-me.
Seja, por fim, minha coragem
Algo de que me orgulhe,
Algo em que confie
Para ser o que sou, e o que eu queira vir a ser.


(Copiado do antigo blog, escrito em junho de 2005, mas ainda no prazo de validade)

O que há de errado com Chavez?


A mídia mundial vem tratando o presidente venezuelano Hugo Chavez como um louco déspota, um ditador fora de tempo e de lugar. Nunca vi a imprensa brasileira falar tanto de política sul-americana como agora, por causa do Hugo Chavez. Antes, sabíamos detalhadamente com que roupa a ex-princesa Diana tinha ido a uma visita qualquer, o que a estagiária fez – e deixou de fazer - com o ex-presidente estadunidense Clinton, o novo horário de funcionamento dos trens parisienses, e por aí vai. Da América Latina, mal e mal sabíamos de uma ou outra manifestação das mães argentinas que ainda hoje reclamam o direito de saber onde estão os corpos de seus filhos desaparecidos durante a ditadura. Da Venezuela, só as famosas misses geravam notícia por estas bandas.
Mas eis que surge Chavez para acabar com essa monotonia. O homem foi eleito e reeleito pelo voto do povo, alguém duvida? Então, para começar, ele preserva as forças democráticas pelo menos no tocante à eleição. Não ouvi sequer especulação de que a eleição tinha sido fraudada – especulações que aliás, sobram no primeiro mundo norte-americano, auto-denominado guardião da democracia mundial, apesar de ter sempre em sua história a mancha de guerras promovidas direta ou indiretamente pelo seu próprio interesse.
Não moro na Venezuela, não conheço ninguém de lá, nunca a visitei. Por isso, fico em minha humilde posição de leiga sobre a administração Chavez. Acompanho os noticiários, mas há muito deixei de crer na lendária imparcialidade da imprensa. Minhas idéias acerca de Chavez e sua administração são baseadas numa lógica de pensamentos muito particular e ao mesmo tempo no senso comum.
Quais são os indícios de que Chavez é um ditador, além da mensagem que nos é constantemente passada pela mídia? Além de (como já disse) ele ter sido eleito, ele usa e abusa de um dos instrumentos mais democráticos que há no mundo, o plebiscito. No primeiro final de semana deste mês de dezembro, teve mais um na Venezuela. O povo infligiu à proposta do presidente uma fulgurante derrota. Chavez queria mudar a Constituição Venezuelana e, dentre as alterações, havia a permissão da reeleição sem limite. O povo disse não. Pronto, é não, não vai haver alteração, Chavez não vai se tornar um Castro ou uma Thatcher, o povo não quer. Resolvido. Qual o drama? O governo fez uma pergunta, o povo respondeu e agora reina soberana a vontade popular. Onde há indício de ditadura nisso?
Ah, mas o Chavez fechou um canal de TV venezuelana. Pelo que dizem – eu nunca assisti, portanto... – fazia oposição ao governo. Agora me responda: desde quando televisão ou rádio, meios de comunicação que são concessões governamentais, fazem “posição” ou “oposição”? O dever é informar ou manipular? Não acho certo nem errado, não acho nada. O que eu sei é que há lei constitucional que dá direito ao governo conceder e cassar licença de funcionamento de televisão. Chavez, também pelo que dizem, obedeceu a estas regras constitucionais e cassou. Queria eu que algum governante brasileiro seguisse o exemplo. O desemprego ia aumentar muito, mas os profissionais de comunicação que ficassem no mercado ao menos iriam pensar duas vezes antes de manipular a informação do jeito irresponsável e leviano que se faz hoje em qualquer veículo.
Também dizem que o Chavez governa só para os pobres, que esta é a única camada da população venezuelana a dar apoio ao seu governo. A classe média, a classe alta e – suponho – principalmente a classe altíssima não gostam nem um pouquinho dessa popularidade de Chavez. Mostram-se “politizados”, pegam suas bandeiras e vão para as ruas manifestar contra o governo. Isso é legítimo, é direito; mas o que Chavez faz para que o povo pobre o venere, isso a gente aqui não sabe, porque a mídia não mostra. Em que condições esse povo vive, a gente até faz idéia, mas não sabe de verdade. Mas alguma razão há de ter.
Pelo que mostram, o Chavez é uma pessoa chata, muitas vezes inoportuna. Tem uma ironia e uma sinceridade que não são lá muito apreciados em governantes – estamos mais acostumados com mentirosos de expressões sérias e palavras e gestos elegantes. Pelo que mostram, ele é tão grosso, tão estúpido e arrogante, que poderia até ser o rei da Espanha. (Cala-te!). Eu acho.