quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

O fundo do poço


Uma mulher se dizia vidente e ganhava bem a vida com isso. Deu ontem, na TV. Aconteceu em Belo Horizonte, mas pelo que me lembre, acontece em todas as cidades que conheço: a exploração da fé.
Não entendi bem se essa mulher de Belo Horizonte se dizia prima de Madre Teresa de Calcutá ou se o espírito que ela recebia é quem era parente da Madre. A reportagem diz que ela fazia consultas de graça, por caridade; ao mesmo tempo, mostra ela cobrando 40 reais de consulta e pedindo dinheiro para "desfazer um trabalho". A mulher precisava de 21 velas, a 50 e tantos reais CADA UMA. Devem ser velas feitas pelas mãos da Madre Teresa, para valer tanto.
Uma "crédula" deu depoimento. Procurou a vidente para ter o noivo de volta. Em dois meses de "tratamento" já havia dado R$ 7 mil à vidente e o ex-noivo não voltava. Desistiu, e só então se deu conta de que era enrolada. Tola desse jeito, imagino mil e uma razões para o ex-noivo ter dado um pontapé na bunda dela. Ela merece.
Cada um tem sua fé, acredita no que quiser. Eu mesma já fui a várias videntes quando morava em Olinda. Era divertido: juntava uma turma do Colégio São Bento e marcávamos de ir a cartomantes todos juntos, para gazear aula (também íamos muito ao zoológico quando queríamos gazear). A gente pagava o equivalente a R$ 5, R$ 10 cada um. Depois saíamos rindo muito, contando como tínhamos tentado enrolar a cartomante e como ela também tinha tentado nos enrolar. Ninguém acreditava no que elas diziam. Aquilo não era fé, era pura brincadeira.
As "adivinhações" eram sempre previsíveis. Ou você estava com mau olhado, ou tinham feito um "trabalho" contra você. Tinha sempre uma menina interessada no seu namorado, mas não era para se preocupar porque o namorado amava a cliente. Ah, e tinha sempre o anúncio de doente na família - doença cuja gravidade dependia da cara que fazíamos quando recebíamos a "notícia": se a gente não dava bola, a coisa era fácil de resolver. E algum menino sempre cultivava uma paixão secreta por nós.
Éramos todos adolescentes nos divertindo. Mesmo irresponsáveis e ingênuos, sabíamos que aquilo tudo era uma farsa, um teatrinho divertido. Que eu saiba, nenhum de nós voltou para fazer o trabalho que as videntes nos recomendavam, com velas muuuuuuito mais baratas do que essas vendidas pela mulher de Belo Horizonte.
Só não entendo é como gente adulta vai nesses cantos, acredita, e dá tanto dinheiro para ser enrolada.
Para mim, videntes são atrizes. Nunca pensei em matar Beatriz Segall por causa da sua magistral Odete Roittman; e nunca acreditaria numa prima da Madre Teresa de Calcutá que ganha dinheiro com adivinhações.
Mas cada um acredita no que quer. É muita falta de perspectiva, no mínimo. Dá até pena.

6 comentários:

Canto da Boca disse...

Impressionante, nao consigo articular uma palavra diante de tamanhos absurdos, a exploraçao da fé, da fragilidade humana. Mas temos tantos mestres na matéria, nesse país, que qualquer um, uma, aprende fácil, basta ser sem caráter. Que aliás, é maioria nesse país locupletado de gente espertinha.
Beijos.

Anônimo disse...

Isso me faz pensar o que faz o desespero de certas pessoas... ou seria insanidade?
Enfim, difícil acreditar que alguém ainda creia nesse monte de pessoas sem caráter e aproveitadores da ingenuidade (ou burrice mesmo) alheia..

bj

Mara

Anônimo disse...

Cláudia,

Todo dia saem de casa sempre um esperto e um otário, quando eles se encontram...

Acabei ficando em dívida contigo. Fiquei de voltar e discutir Chávez, mas não encontrei tempo.

Tempo não encontrei, mas encontrei Josias e tomamos umas boas cervejas.

Beijos,

Dimas

Anônimo disse...

Eu jogo tarô e engano os trouxas. O salário de professor universitário exige. E digo na cara: vocês são trouxas. Mas jogo bem, porque faço boas associações psicológicas a partir das cartas. Algumas vezes, o randômico ajuda as pessoas, e, com uma pitada de bom senso psicológico, o aleatório vira necessidade.

Mas o bom mesmo é o dinheiro que ganho com isso. Gosto muito de dinheiro, apesar da minha vocação à miséria. Dôo tudo ao Santinha -- quer dizer, doava, pois, enquanto o diminutivo estiver na presidência, gastarei tudo na cachaça. BJs. Artur

R. disse...

O que não faz o desespero com as pessoas, não é mesmo? Perdem completamente a sensatez...

Antes ela tivesse ido ao bar tomar um porre. Teria saído muito mais barato... :p

Josias de Paula Jr. disse...

Artur esqueceu de dizer que, sendo psicólogo, é um artista do ilusionismo também.

Gostei do título. Explica o comportamento.