terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Negociação


Uma entidade me procurou para que eu fizesse um jornalzinho. Pediu que eu elaborasse um orçamento, deu todas as informações sobre os objetivos do informativo, o que teria que ser feito e o que não poderia. Deu um prazo de uma semana para que eu elaborasse tal orçamento, algo que dispensei e apresentei o valor na mesma hora.
- Como? Tudo isso?
- Que tudo isso? Isso tá mais barato que bolinho de goma na feira do domingo.
- Mas é uma entidade sem fins lucrativos...
- E o senhor ganha descontos de impostos por causa disso. Eu sou petista sim, mas não sou o governo.
- Não tem como fazer um abatimento?
- Não, eu já estou trabalhando com o preço mínimo. Aliás, como sou idiota, trabalho pelo preço mínimo por qualquer jornalzinho extra que pego, se acho fácil de fazer, como é o seu caso.
- Mas você tem que entender que nós trabalhamos para as pessoas pobres...
- Mas recebem das pessoas ricas para fazerem este trabalho.
- Por esse preço não dá.
- Então tudo bem.
- Não dá pra baixar?
- Não.
- Então tá.
- Foi um prazer.
- Não! Peraí, vamos conversar. Calma. Eu sou mineiro, não consigo encerrar um entendimento financeiro sem negociar.
- Ah, desculpe, mas eu não tenho a menor paciência para negociar preço. Eu sou pernambucana e idiota, como já lhe disse, e não negocio preço. Faço o trabalho pelo preço que pedi, nem um centavo a mais, nem um centavo a menos.
- Mas você não pode ser assim. Para a gente se dar bem profissionalmente, tem que apresentar um preço maior do que o mínimo e depois ir abaixando, abaixando, até satisfazer o cliente.
- Obrigada pela aula de comércio, mas tô com 37 anos nas fuças e agora não aprendo mais nada disso. Agora, se me der licença...
- Não, não, calma. Por quanto você faz mesmo o jornalzinho para a gente?
- Por tanto.
- E se não fosse para a gente, por quanto você faria?
- Pelo mesmo tanto, já disse.
- Tá, mas você também disse que esse era o seu preço mínimo. Se você não cobrasse o preço mínimo para mim, quanto cobraria?
- Pelo menos o triplo.
- Ah, agora estamos nos entendendo.
- Hein? Como assim?
- É que agora eu posso negociar com o pessoal da entidade. Eu digo que seu preço é tanto, mas que eu negociei, negociei, e terminou fazendo por tanto. Assim dá para convencer o pessoal.
- Hein? Sério mesmo que você vai fazer isso?
- Claro! A gente quer você faça o nosso jornal. Mas sabe como é, a gente é mineiro, e mineiro não...
- Sei, sei, entendi. Faça o seguinte: você pode dizer o que quiser, mas o meu preço é aquele mesmo que eu já disse desde o início. Vá se reunir com o seu pessoal e depois entre em contato comigo, se for do seu interesse.

O cara entrou em contato comigo na semana seguinte.
- O pessoal concordou com o preço. Mas você divide, né? A primeira parcela para 30 dias e a segunda para 60...

Desliguei o telefone na cara. Chega. Odeio essa mania mineira de negociar preços, de ter que levar vantagem sobre qualquer coisa, de ter que dizer a todo mundo que a sua lábia fez com que ele vencesse uma disputa, seja ela de que tipo for. Isso me cansa. Prefiro perder dinheiro, perder trabalho. Minha paciência não tem preço.
E não adianta vir pechinchar: não tem preço mesmo.

5 comentários:

Sig Mundi disse...

Vai um "pãozim" de queijo e um "cafézim" pra acalmá!?
Ai que cara chato!

bjs, andrea

Anônimo disse...

Muito bom, Cláudia!

Esta sua crônica, por mais louca que pareça, é a cara do Brasil. É aquele velho costume de achar que todo preço está posto mais alto do que de fato é ou para nos dar uma sensação de conforto ao descermos milimetricamente o valor a ser pago.

Eu, por exemplo, estou fazendo uma reforma na minha casa e, como acabou o dinheiro, resolvi ratear os gastos que ainda tenho para fazer com os profissionais contratados, queiram eles ou não. Isso é melhor do que negociar.

Dimas

Canto da Boca disse...

Uma prática tao imbecil... Mas institucionalizada...

Data Vênia disse...

Da próxima vez cobre o quíntuplo... deixe ele pechinchar, pechinchar até que você chega ao seu preço e o mineiro acredita que te levou na lábia...

Abs,

DV

Anônimo disse...

intiresno muito, obrigado