terça-feira, 13 de novembro de 2007

Só um caso


Início de noite quente. Entra em seu carro, liga o ar condicionado, espera que todas as portas se fechem e segue. Ao seu lado, a esposa que o acompanha na vida há 31 anos. Casou-se aos 23, jovem. A amou, a amava. Mas reconhecia um quê de interesse em seu casamento. No banco de trás, duas jovens. Suas filhas. Uma já desquitada, com uma filhinha de 2 anos e pouco. A outra prestes a se casar com um canalha, um rapaz ambicioso e preguiçoso. Um legítimo golpe do baú, que ele teria que engolir em seco.
Todos trabalhavam juntos, na empresa que montara há uns cinco anos. Saíam de casa juntos, almoçavam juntos, voltavam para casa juntos, faziam os mesmos programas de final de semana juntos. A vida se acomodara de um jeito que o fazia acreditar que era feliz, muitas conquistas contabilizadas, a empresa só dava lucros, estava tudo indo muito bem.
Duas vezes por semana, saía à tarde a pretexto de uma reunião qualquer. Mentia. Ia ao encontro de Lúcia, sua amante de 25 anos. Isso já durava mais de um ano. Também contabilizava a relação extra-conjugal como importante conquista em sua vida. Lúcia lhe dava ânimo, lhe alegrava, despertava um desejo que há muito não sentia. Antes tivera incontáveis amantes, mas Lúcia era diferente.
Nem era muito bonita, mas tinha uma personalidade cativante: forte e doce ao mesmo tempo, em proporção equilibrada. Os dois gostavam muito de sexo, e com Lúcia ele conseguia liberar todas as suas fantasias sem sentir-se ridículo com isso. A diferença de idade nunca se fez presente entre os dois.
Pensava em Lúcia. Ligava para ela todos os dias, não por obrigação, mas por prazer. Sempre que podia escapar, ia ao seu encontro. Na maioria absoluta das vezes, a conversa terminava em sexo. Mas em outras vezes não, e isso também era gostoso. Dialogar. Trocar idéias. Coisas que ele não tinha em casa, a não ser quando se tratava de negócios.
Nunca pensara em largar a família para viver com Lúcia mais intensamente. Aliás, chegou a pensar nessa hipótese algumas vezes, mas nunca a sério. A amante não lhe exigia nada, nunca o encostou na parede, parecia e dizia estar satisfeita com a relação do jeito que era: tesão, amizade, encontros fortuitos. Bastava para os dois.
O problema é que Lúcia mantinha uma vida paralela também. Namorava, saía com outros homens, se divertia. Ontem ela confessara estar apaixonada por outra pessoa. Não falou em terminar a relação, mas ele pressentiu que isso estava prestes a acontecer. Perderia Lúcia. Estava confuso, não sabia o que fazer. Realmente gostava demais de Lúcia - se não fosse casado era certo que a escolheria como esposa. Mas não iria largar a família, isso seria muito complicado e ele detesta complicações.
Sentiria falta dela, muita falta. Infelizmente, não podia fazer nada para evitar a perda. Tinha essa convicção. E se... não, não, melhor deixar essa idéia para lá.
- Querida, vamos jantar hoje naquele restaurante francês que inaugurou semana passada?
- Você quer? Vamos.
- Me disseram que lá tem...
- Já disse: se você quer, vamos.
- Está brava? Que foi que eu fiz?
- Nada, Antonio, você nunca faz nada. Vamos logo para essa bosta de restaurante. Não é o que você quer? Vamos.
- Então vamos.

Lúcia vai me deixar. Mas não posso fazer nada para evitar. Não queria. A não ser que eu... não, não dá. Não teria coragem.
- No que você está pensando, Antonio? Passou a droga do dia inteiro com a cabeça longe, sem me dar atenção!
- Ah, então é isso! Não se preocupe, querida. É que estou preocupado com uma reunião que terei amanhã à tarde. Vou ter que assinar um contrato, mas tenho certeza que terei prejuízo.
- Prejuízo? E porquê então vai assinar o contrato?
- Porque me comprometi. E você sabe, compromisso para mim é sagrado.
- Como você é burro, Antonio. Não se assume compromisso para ter prejuízo!
- Pois é, querida, pois é...

2 comentários:

Josias de Paula Jr. disse...

Belíssima crônica, Ana! Realista e irônica e com um texte leve.
Parabéns!

Anônimo disse...

Cláudia,

Boa crônica, crônica e cotidiana como a vida.

Dimas