Dia quente, noite fria e silenciosa. Vento forte açoita as árvores que se livram das folhas e dos galhos mais frágeis. Acomodada de frente ao computador, apenas o movimento das mãos denunciam o ser vivo e pulsante que lá existe e parece insistir num disfarce mal arranjado de estátua. Jogo algum joguinho estúpido com os olhos vidrados, a mente aparentemente abandonada.
Reflito sobre um milhão de coisas, assuntos rápidos que não merecem destaque senão por alguns segundos. Uma sucessão deles. Casa, trabalho, lembrança de alguém ou de algum trecho de conversa, de algo não dito, sobre o quê vou escrever amanhã?, um beijo dado pelo sobrinho como num desafio aos colegas na porta da escola, o Jornal Nacional disse que Lula havia lançado uma refinaria em Pernambuco - olha que coisa boa, meu irmão bem que podia arranjar um trabalho por lá, mas não, é melhor que ele fique de fora dessa roda-viva de cargo comissionado - e chega. Certos assuntos vão e voltam, fragmentados, procurando um ângulo inusitado, um contraditório, qualquer coisa e coisa nenhuma.
Ganhei mais uma partida, agora é "ok" "jogar novamente" "yes" e a distração recomeça.
Poderia estar lendo um bom livro, tenho vários guardados na minha estante improvisada. Poderia assistir a um bom filme, tenho vários também. Na TV está passando aquela novela que está na fase final - novela costuma ficar pouco melhor quando está chegando ao fim - mas eu quero mesmo é continuar do jeito que estou, estúpida, sentada, pensamento estradante (essa é em homenagem a Dimas e seu magnífico "estradar").
Penso no quanto é produtivo estar ocioso e o tema se fixa por minutos. Houve um tempo em que minha vida era trabalho e eu acreditava que essa era a única forma de estar feliz; era meu ar, meu cigarro, meu amante, meu tudo. Mudei. Radicalmente. Ano passado fiz um teste e descobri que posso viver sem ter um trabalho externo. Foram nove meses de pernas para o ar, trabalhando em casa de vez em quando. Descobri que nasci pra isso. Quero tornar o ócio meu novo amante, e acho que está pintando clima.
Um tema puxa o outro. Trabalho, relações de amizade nascidas do ambiente de trabalho, dinheiro, dívidas, tempo de fartura, decepções com a fartura, meu casamento, meu grande amigo e ex-marido, sexo, mudanças de endereço, retratos de outra paisagens.
Continuo sentada em frente ao computador, no tal joguinho estúpido na sala escura. Lá fora o vento ainda corta e de vez em quando solta uivos assustadores. Alguns relâmpagos rasgam a escuridão provocando ansiedade nas cadelas que não sabem se latem para o estranho, se mordem ou se uivam com ele. Minha cunhada ainda não chegou da faculdade, coitada, queria que não chovesse até ela chegar em casa seca e em segurança. O vento continua castigando, minha mente continua a estradar. Isso tem que parar, já são mais de 11 horas da noite e amanhã levanto cedo para o trampo. Então lembro que vou escrever neste blog e ainda não pensei sobre um tema interessante e começo a relembrar em tudo que pensei e...
3 comentários:
Haja desenvoltura pra quem diz não ter um assunto! Tivesse-o, seria um livro, pois!
: )
Escrito em apenas um dia, quis dizer.
Uma coisa assim, fantásticamente fecunda.
Vamos nos reencontrar num estradar desses da vida de novo? Ando a ter saudades, ando a me despedire das pessoas, da cidade, da vida daqui, das paisagens. Vou estradar noutras paragens, queria te encontrar antes de ir-me.
Belo e reflexivo texto, maninha.
;)
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