segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Última Cria


O fim: tema recorrente da telona e razão de todos nossos medos.
Assisti ao filme "Filhos da Esperança" e achei horrível. Roteiro, atores, tudo horrível. Piegas, previsível, ruim mesmo, sem perdão. Mostra um mundo de mulheres inférteis, nada de nascimentos, nada de crianças. Deveria ser um retrato do fim do mundo.
Dane-se o filme. Ficaram as idéias.
Quando pequena, eu desconfiava de tudo. No auge narcisístico da puberdade, cheguei a desconfiar que a História simplesmente não existia; meus antepassados eram inventados pela minha família somente para que eu acreditasse que havia passado. Na época, só acreditava em presente e futuro. Depois vi crianças nascendo na família e familiares morrendo, a vida continuando, e... sim, me convenci que podia mesmo haver passado.
Não me é dado mais o direito de ter uma imaginação tão narcisista assim. O mundo NÃO gira ao meu redor. Mas minha vida gira, e dela eu decidi, há muito tempo, apagar o tempo que virá. A coisa é simples, basta que você não comprometa seu presente em função de um futuro. Mais ou menos como não se privar de comer o doce agora porque é preferível comê-lo depois do almoço. Irresponsável no conceito de uns, comprometida consigo mesma, na minha tosca concepção.
Não sei em que programa eu assisti uma mulher citando uma espécie de fábula. Um homem era considerado preguiçoso, só se levantava para fazer o essencial para sobreviver. Não passava fome nem necessidade, mas se privava de conforto e segurança. Um amigo muito íntimo vai conversar com o sujeito e tenta interferir naquela preguiça. Argumenta que o outro tem que trabalhar bastante agora, enquanto é jovem, para formar seu futuro, se estabelecer financeiramente e finalmente se aposentar e aí sim, curtir a vida, descansar. O outro retruca de forma muito simples: se o objetivo do trabalho é o descanso final, ele preferia descansar desde já. Tô com ele e não abro.
Voltando à idéia que surgiu enquanto assistia ao filme.
Tente se colocar na seguinte situação: progressivamente, todas as mulheres do mundo vão se tornando inférteis. Isso vai num progresso muito rápido. Até que sua mãe lhe bota no mundo, e você é o último exemplar nascido. Sua vida é um reality show permanente, você é maior que qualquer astro da História. Sabe que é o último, isso é lembrado a todo momento, todas as horas de sua vida. Ao seu lado, só morte - de conhecidos, amores, desconhecidos. Pela lógica rasteira, você deve ser o último exemplar humano a morrer. Sem qualquer esperança de mudança.
O que você faria?
Se eu tivesse a consciência de todos estes fatos, eu aplicaria uma regra antiga, um ditato: os últimos serão os primeiros. Sem dúvida.
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Mas eu queria mesmo era falar do fim sob outro ângulo tocado muito de leve no filme: o terror de não haver sequência. A película mostrava que as pessoas viviam os últimos dias do mundo em clima de guerra. Matava-se por tudo, principalmente morria-se por bala perdida. Mas havia quem morasse em paz, como uma família "normal", e morresse de doença ou outro tipo qualquer de morte natural. Se você vive a perspectiva de viver normalmente, porque o terror de ser a última geração sob a face da terra? Vai lá no fundo e tenta me responder: que diferença faz você ser da última geração? Será que, como cantou Renato Russo, dá saudade de tudo que ainda não se viu?

4 comentários:

Anônimo disse...

Uau! Bonito o teu blog. E você tem verve :-) Valeu pela visita ao blog dos perrusi. Ganhou um leitor. Linkei teu blog. Abração.

A Autora disse...

Valeu, Artur!

Canto da Boca disse...

'Meu amor o que você faria se só lhe restasse esse dia? Se o mundo fosse acabar, o que você faria?'

Belo texto, provocador e reflexivo, como não poderia deixar de ser, vindo de ti.
Beijos.

A Autora disse...

Comentário vindo do canto da boca me parece sempre ser estimulante! rs