Às vezes me dá uma saudade danada do mar. Fui criada junto dele, me habituei com o seu cheiro, a maresia, o seu sol, os barcos e seu estilo. Até meus, sei lá, 25 anos, eu era rata de praia e minha pele hoje não nega. Depois fui abandonando o hábito, trocando o banho por passeios na areia ou no calçadão. Nunca havia valorizado a temperatura amena da água, até que conheci outros litorais desta banda sul(deste) e seu gelo desagradável.
E nem é do banho e nem mesmo das caminhadas que eu sinto falta. A saudade é de saber que ele estava por ali sempre, perto, acessível, convidativo. A falta é de poder sentar sozinha na areia ou na calçada com as pernas abraçadas, olhos ao mar, cabeça nas nuvens. Fechava os olhos e brincava de "sentir": o som (e o barulho do mar de Olinda é o silêncio, pois não tem ondas para arrebentar); seu cheiro, suas cores, sua temperatura; um gosto salgado guardado na lembrança.
Muitas histórias de minha vida se passaram por ali. Coisas boas e ruins. Paqueras, namorados, turmas, jogos de vôlei e dominó, atravessar o dique a nado, sentir o cheiro de melancia e gritar para o pessoal que tem tubarão na área, cerveja, caldinho, amendoim, caranguejo. Brigas, discussões, implicâncias, pequenas sacanagens com os outros, marcar encontros, organizar "assustados" (quem sabe o que é, massa; quem não sabe fica mesmo sem saber), gazear aula.
O jornalzinho da praia, O Farol! Feito pelo pessoal de Olinda mesmo, a molecada que inventou um jeito de expressar idéias e sacanear publicamente com os outros. Adorava receber o jornal e ver quem é que tinha sido escolhido como mártir da edição. E o escândalo quando Katy apareceu no jornal com os seios de fora? Aiaiai. Aquilo foi demais para o tradicional Colégio São Bento. Pensei que o mundo ia desabar.
Gostava de ir à praia mesmo que em dia de chuva. Céu nublado, frequência bastante diminuída e eu ali de biquini, boiando, sentindo as gotas da chuva caírem em meu corpo dentro do mar. Ficava de bruços (ainda boiando) e prestava atenção exclusiva ao som das gotas de chuva batendo na minha nuca e no mar. Era gostoso demais.
A praia de Olinda continuou sendo palco da minha história mesmo quando adulta. Foi lá que resolvi casar, foi para lá que eu corri logo após separar. Diversas vezes lá eu chorei pela minha irmã e, muito tempo depois, pelo meu pai. Lá eu também me percebi adulta, ao tentar achar vestígios ainda de meninice e praticamente só encontrar rostos estranhos àquilo que eu buscava, além de um pulmão gasto que me impedia de tomar fôlego suficiente para nadar metros e metros debaixo d´água, coisa que eu tinha orgulho de fazer quando pivetinha.
A minha história tinha mudado e continua a passar. O tempo, idem. Até a praia de Olinda mudou pra caramba (hoje está invadida sobretudo por barracas). Talvez até o mar também. Não importa: mesmo tendo tudo diferente, ainda assim, sinto falta do mar. De Olinda.
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Ahá! Descobri a causa da melancolia. Ontem vi um filme lindíssimo da Globo Nordeste em homenagem a Olinda. Nena Queiroga cantava:
Olinda
Tens a paz dos mosteiros da Índia
Tu és linda
Prá mim és ainda
minha mulher
calada
O silêncio rompe a madrugada
Já não somos aflitos nem nada
Minha mulher
Tu voltas
Entre frutas, verão e tu voltas
Abriremos janelas e portas
Minha mulher
(Grande Alceu Valença!)
6 comentários:
Eu já ando a me despedir daqui, tenho escutado muito Alceu Valença, essa semana indo à UFPE, passei pelo centrão velho, rua da Soledade, depois rua do Sol, das Ninfas, foi me dando uma saudade... Mas andar à beira-mar, noite de lua cheia, é tão maravilhoso qto o sentimento que tu nos possibilita, quando narras tuas memórias, transportamos no tempo e no local.
E som na caixa 'dj':
"Quando Edwin desce a Ribeira, Olinda inteira vai ouvir seu afoxe.
Cid, Iris, Billy, Querubim,
Cafi, Zuleida
Olinda inteira vai ouvir seu afoxé
O atabaque, o bongô
O agogô, Candomblé
Moça bonita
Serás minha mulher..."
Hoje é mais um daqueles dias de sol. Que venham todos os sóis e não demore a vir por aqui, senão, só daqui a cinco anos.
Beijos, mana.
Gostei muito do seu texto, ando apaixonada por memoriais, e o seu é além de poético, ´musical.
Beeeijos.
Cláudia,
Sabe do que mais? Senti saudade da Sé. De olhar a vista fantástica de Recife, comer uma tapioca e tomar uma daquelas bebibas porra-loucas que só existe em Olinda.
Mas se há convergência entre a minha saudade e a tua, posto que já moramos na mesma cidade, há também divergências. E mesmo sem intenção nenhuma da minha parte, te matarei de inveja.
Hoje é sexta-feira e, só pela saudade, passarei por lá. De preferência, sozinho. Observarei o mar e, mesmo sentindo vontade de entrar, ficarei ali, só olhando. Depois visitarei os casarões, sentirei o cheiro do carnaval e apreciarei os trabalhos dos artesãos e artistas plásticos. Depois, e só depois, irei para a Sé e pensarei em Olinda como uma mulher: "tão linda que só espalha sofrimento, tão cheia de puder que vive nua.
São demais os perigos desta vida para quem tem paixão.
Acho que vou escrever uma crônica no Estradar sobre Olinda. Quem sabe... Teu blog está me dando inspirações.
Dimas
Val, explore bem esses recantos magníficos. Esteja certa que isto fará a diferença no momento da saudade.
Dimas: tortura nunca mais. O jeito é uma vingança babaca: vou me entupir de torresmo e feijão tropeiro e de todo tipo de doce.
Ah, tapioca temos aqui também. Eu faço, e de vez em quando rola um contrabando de goma...
Raramente, vou à praia. Só quero o mar perto de mim.
Muito bonita tua crônica, Ana.
Eps, vim por aqui te ver também.
Sabia que fiz estágio no "O Farol?".
beijos,
Sama
quero esta música... alguém consegue aí em mp3? só encontro as versões do alceu, lindas.. mas esta da tv me emociona =\
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