terça-feira, 18 de setembro de 2007

Seu Rei Mandou Dizer


Título é algo que ainda intimida. Fiquei chocada ao descobrir isso.
Ser chamada de "doutora", "senhora", "moça", "senhorita", não faz qualquer diferença para mim. Também não me constrange nada chamar um médico ou um juiz pelo nome. O título é uma referência que entendo ser útil em determinadas ocasiões - todas elas envolvendo trabalho, nenhuma sob prisma pessoal. Em título, a pessoa não "é", a pessoa "está". É um cargo que se ocupa; é uma conquista acadêmica que não interessa na verdade para a imensa maioria das pessoas. É quase um prenome dentro de círculos que vivem num mundo à parte.
Em uma casa onde moram cinco pessoas, os três adultos têm título de bacharel. Importância zero, pois. Pensava eu. Dentre os três, um ocupa um cargo público não-eletivo. Funcionário público federal concursado, um de nós três em determinados momentos é mais reconhecido pelo cargo que ocupa do que qualquer outra coisa. Tenho a sorte disso não acontecer comigo. Mas se reflete em mim.
Ontem mesmo um amigo, sem querer, deixou escapar a verdadeira razão de suas recusas a estar em minha casa, curtindo um belo dia de sol na beira da piscina. Respeito ao cargo de um dos três adultos que habitam o sítio. Receio de ser inconveniente com uma autoridade que só "está" (e não "é") autoridade durante um expediente. Como se pudesse ser multado por um riso fora de lugar. Ou preso por desacato ao tirar uma brincadeira. Bobagem, mas que tento respeitar em quem a cultiva, embora tente por vias delicadas tirar isso da cabeça do amigo.
Não enxergo fardas, medalhas ou diplomas acima das pessoas que os vestem. Nos momentos de formalidade, acato-a. Muda o cenário, mudam as personagens. Já "insultei" um prefeito para quem trabalhei ao chamá-lo pelo nome e ao me recusar com tranquilidade a cumprir um pedido seu, feito num churrasco de final de semana. Não recusei para demonstrar isso ou aquilo. O fiz porque o quis, simples assim. O favor pedido por ele implicava em eu me levantar, andar, pegar algo, fazer algo; e eu não levantaria daquela cadeira confortável "nem fudendo". Não levantei, não fui, não fiz, e disse que não o faria. Virou insulto aos seus olhos e aos dos pequenos dependentes do poder real. Foi mais uma gota no copo que terminou um dia por encher, transformando-me em "inimiga do rei". Tudo bem: naquele reinado tinha muito bôbo da corte para o meu gosto.
Já trabalhei com muitas "autoridades". Sempre as respeitei dentro do espaço em que entendia ser o da formalidade. E sempre relaxei no tratamento quando o espaço permitia isso. Se a pessoa é considerada autoridade por um cargo eletivo, pior ainda: não consigo achar superior a quem quer que seja alguém que ocupa uma função com tempo determinado, um representante escolhido e que vai deixar de "estar" (ou de "ser") em prazo fixo.
Que conversa mais mole... Não era nada disso que eu queria escrever. Mas meus dedos estão desobedientes - também se recusam a atender à autoridade que eu devia exercer...

3 comentários:

Canto da Boca disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Canto da Boca disse...

Ah que texto maravilhoso. Ufa! Folgo em saber que há além do plasma e seus componentes, algo que confirma o estado irmãs-amigas de ser que escolhemos.
Veja que a transgressão está no nosso d.n.a., ainda que não tenhamos esse código oriundo dos mesmos 'gametas'.
Essa tua postura ética e esthética me dá um imenso orgulho. É, num país em que a exceção virou via de regra, e a via de regra exceção, sabê-la exatamente como és, na essência muito além da aparência me deixa muito feliz. Posso utopicamente achar que o mundo tem jeito, enquanto houver Ana Cláudia respirando sobre a terra.

P.S.
Não era mesmo pra fazer nada, deixar de 'foder' pra fazer qualquer outra cousa, é o maior crime que podemos cometer contra nós mesmas.
Risos.
;)

Anônimo disse...

é um terreno novo pra mim ... talvez esteja com algum excesso de cuidados, mas ainda é extremamente difícil assumir uma postura quando uma situação me pede.

perceber os sinais é tranqüilo, mas tb podem ser tantas mil outras coisas ...

às vezes dá pra pegar o todo mas foge um detalhe, às vezes é o inverso. e quase sempre eu vou juntando as coisas e mesmo depois de formar alguma coisa já coerente eu começo a achar que tô viajando e forçando uma barra.

e por isso, tomar a palavra e começar a argumentar todo cheio de si (muito provavelmente de uma forma empolada-rocambolesca) por engano é extremamente patético, não ?

enfim ... ih, não era comigo não ??

foi mal ... desculpa