sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Química


O moço que despertara nela uma atração estava sentado junto a si e assim, numa atitude natural, pegou em seu braço de um modo firme e ao mesmo tempo delicado. Segurou, enquanto falava alguma coisa que ela não escutava. Ela só olhava aquela mão em seu braço. Foi imediato. Ela percebeu de um modo muito claro e inquestionável - como um fato - que era exatamente aquele tipo de toque que a fazia se apaixonar.
O rapaz ainda a segurava e falava, enquanto na cabeça dela passava um filme numa velocidade impressionante. Lembrou das quatro grandes paixões de sua vida. Lembrou do modo com que todos a seguravam no braço: era aquela mesma segurança de quem possuía algo muito seu e de valor, algo que precisava de cuidado.
Tentou voltar a si e manter o diálogo iniciado com o grupo, mas só conseguiu fazer de conta que escutava e assentia, distraidamente, incapaz de absorver qualquer palavra, qualquer idéia ali em discussão. A mão permaneceu em seu braço por um tempo que lhe pareceu muito, mas em verdade deveria ter sido muito pouco. Quis encerrar o encontro, tinha muito a lembrar e analisar sobre a descoberta que há tanto tempo queria encontrar, e que tinha lhe custado boas noites de sono.
Assim que pôde, fugiu e foi caminhar pelas ruas. Sentou no primeiro banco de praça que encontrou.
A primeira paixão inexplicável foi aos 20, com Luiz. Um mau caráter nato: narcisista, sem ética, incapaz de respeitar alguém, inclusive as mulheres com quem se relaciona. Ela comeu o pão que o diabo amassou nessa relação, muita sujeição, muita entrega para quase nenhum retorno. Foram dois anos desse jeito. Ela sabia que tinha se metido com um homem que não valia a pena, e a consciência do que acontecia a fizera sentir muita vergonha, ao ponto de jamais apresentar Luiz para seus amigos ou seus familiares. Sofreu muito, principalmente por não conseguir entender o que a fizera se entregar assim numa paixão tão improvável e dolorida. Desde aquele tempo, porém, sabia que a sua prisão estava relacionada ao jeito que ele dormia com ela. Era uma impressão. Mas agora ela lembrava nitidamente, e tinha a certeza: ele dormia segurando o braço dela, enroscado nela, tomando-a como objeto caro e delicado, e seu. Foi isso.
Na tentativa de esquecer Luiz, passou a sair com Carlos, um homem maduro que há pelo menos um ano a cercava e se dizia apaixonado. Ela o usava como boa companhia e como alimento para o ego, sem intenção de dar a menor chance para que a relação entre os dois passasse disso. Até que uma tarde, durante um passeio, ele a pegou pelo brbaço - é, daquele mesmo jeito! - e ela se sentiu entregue. Ele teria percebido sua vunerabilidade e creditado a isso as palavras ditas, o companheirismo desde sempre, a paixão confessada que ele sentia por ela. A beijou, e assim começou um namoro muito feliz.
A terceira paixão de sua vida foi Henrique, um amigo desde a adolescência. Sempre foram muito unidos, um aconselhava ao outro, quase irmãos. Sem que nenhum dos dois esperasse, uma noite qualquer num barzinho, onde ela tentava explicar porque tinha posto fim ao namoro com Carlos - e Henrique agia como "cupido" por ter a crença que Carlos e ela tinham sido feitos um para o outro -, aconteceu. De repente, olho no olho, a descoberta de um sentimento diferente, a necessidade de possuir o outro. Foram em frente, não hesitaram em vivenciar aquilo que explodira sem aviso. Enquanto viveram juntos, sempre se questionavam quando é que a paixão começara. Não sabiam dizer, nem um, nem outro. Mas agora, tudo estava claro para ela. Foi exatamente quando Henrique estava dizendo: "presta atenção, menina!". E enquanto falava essa frase, Henrique a segurou. No braço. Firme, tomando a atenção de seus olhos e de todos seus sentidos. Ela não escutou mais nada, ficou perdida. Olhou o amigo nos olhos. Ele ainda falara mais algumas palavras, e se deu conta do olhar que o perscrutava. Ficou sem entender, encarou, demorou-se. E quando se deram conta, já eram amantes.
Por fim, Renato. Um homem absolutamente desinteressante. Cismara com ela desde o dia em que se conheceram, em um barzinho. Ela o achou divertido, mas odiava as cantadas sem graça que ele despejava a cada 15 minutos. Uma companhia agradável para se estar em bar com uma turma de amigos, mais nada. Numa saída dessas, ele a convidou para dançar - não tinha sido a primeira vez. Ela foi. Ficou ouvindo as cantadas batidas dele e quando estava já se irritando com a frequência e com a tolice, ele afastou o corpo, a segurou pelos dois braços, e a encarou de modo sério. Disse que estava apaixonado. Aproximou o rosto para um beijo, e ela, inerte, pasma, perdida, não resistiu. O braço, sempre o braço.
Enquanto se lembrava das quatro histórias, podia sentir perfeitamente o peso dos dedos de cada um de seus homens; a força que eles utilizavam para segurar; a suavidade dos dedos, que o cérebro interpretava como "você é minha, eu cuido de você, não posso te deixar ir".
Suspirou.
Riu de sua descoberta, a achou tola por demais. Entretanto, sabia que era algo real, para ser analisado com mais profundidade. Resolveu ir a fundo na investigação.
Então lembrou de mais uma coisa: podia estar apaixonada pelo novo moço. O toque tinha sido o mesmo...

2 comentários:

Anônimo disse...

O amor se encontra ou se perde através da química. Essa coisa do toque, do tato, do gesto, do som da voz, do olhar muda uma vida ou ao menos um momento.

Lembro de uma crônica de Luiz Fernando Veríssimo em que dois amigos de infância se apaixonaram em momentos distintos. Ele quando estava caminhando em grupo com ela na frente. Ele pôde ver os cabelinhos da sua nuca e se apaixonou. Já ela foi pela gentileza. Foi numa festa do cabide em que ele levou sacolas plásticas para proteger a roupa dos dois.

O amor é ou não é uma coisa de louco.

Bela crônica, Cláudia.

Dimas

Josias de Paula Jr. disse...

Curiosíssima investigação de causas!! Essa crônica é, só na aparência, trivial. Parabéns.