sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Lição


É estando só que me revelo
Mesquinharias, grandezas,
Arco-íris sentimentais
Coleção de frustrações
Medo de ter medo
Orgulho, generosidade
Maldades vãs
Preocupações inúteis
Amizades abandonadas
Esquecidas no tempo
Deixadas de lado
Por razões que me são desconhecidas.
Por vezes receio olhar para mim
Para o passado,
Para o que fiz
Por temer não ter aprendido com erros
E prever reinventá-los,
Cotidianamente, conscientemente.
Temo ainda as ilusões
Que não consigo evitar
E assim as alimento para que sirvam
De alimento de minha alma
Sem nem sequer crer em alma.
Muitos temores,
Muitos arrependimentos inconfessos,
Muitas saudades foram e virão. Temo-as.
Temo não resistir,
Temo me abandonar
Temo não ser mais eu.
Temo uma nova identidade
Além das tantas que já assumi.
Temo ter que não temer,
E de falhar quando for preciso.
Temo não ser amada por quem amo
Me entregar de peito aberto.
Eu não era assim:
Não reconhecia medos em mim.
Mas vivi, e a experiência me ensinou
A idiotice que é viver sem medos.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Voltando


Litoral paulista, Ubachuva. Nove dias na praia, quatro dias de sol. Mar gelado todos os dias. Borrachudos todos os dias. Repelente todas as horas. Quando eu morava em Recife, me chamavam Galega; em São Paulo, me chamam Morena; e assim não sei, na verdade, se estou vermelha ou morena - só posso jurar que aproveitei cada minuto de sol e minhas costas ardem.
Também posso jurar que estou renovada, revigorada pelo mar. Estive na companhia de amigos fantásticos, o que faz com que qualquer passeio seja maravilhoso. Cinco pessoas para 22 caixas de cerveja e quilos e quilos de peixe e camarão - isso consumido na pousada, a cada noite, pois durante o dia estávamos em bar e só Ulisses, o dono do bar em Ubatumirim, sabe o quanto bebemos e comemos fora dos chalés.
Nove dias embriagada inclusive por álcool. Estranho, mas concluí que quanto mais a gente bebe, menos ressaca tem.
Não sei como, mas escrevi um bocado nesse período e ainda encontrei bastante tempo para ler "Deus, um Delírio", e encontrar respostas a enigmas propositalmente formulados para quem estaria junto ao mar. Nada de televisão, nada de jornal, mas não consegui ficar tão longe da internet como tinha me proposto: tive saudades da comunicação por e-mail, de ler os blogs, de escrever no blog.
Tudo muito bom, tudo muito bem. Mas dedico a minha primeira noite pós-praia à internet. E aos amigos distantes.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Fui

Desplugada do mundo virtual até dia 27. A todos, um bom feriado e boas farras de fim de ano!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Marginal


O que alimenta minha vida
não declaro no Imposto de Renda;
O que será do meu futuro
não consta nos formulários do INSS.
O que ganho transfiro, não para os carnês,
mas para o riso.
Meus acumulados não são aceitos
como depósito bancário.
De modo que sou pobre, sr. fiscal,
e embora creia que felicidade também merece
justa distribuição,
prefiro ser sonegadora
a entregar meu único bem
nas mãos de canalhas, eleitos ou não,
que pensam que a felicidade
pode ser sacada de um caixa eletrônico.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Vertigem


Quinta, dia 13, 7 horas da manhã. Depois de passear por todo o térreo, subo ao primeiro andar do prédio do Mercado Municipal de São Paulo. Lindo, tudo muito bonito, movimento ainda fraco. Resolvo me aproximar do parapeito para tirar uma foto de uma loja de frutas. Tiro a foto e olho para baixo, tentando encontrar algum dos parceiros de viagem.
Encontrei foi uma tontura, a sensação de que o sangue se recolhe, todo o corpo meio dopado. Não sei mais onde estou. Lembro que estou em São Paulo. Lembro de ter chegado de ônibus pouco tempo antes. Lembro que a pessoa junto de mim é amiga, que posso confiar e contar o que está acontecendo, e pedir ajuda. Sei o nome da pessoa. Sei tudo e não sei nada, ao mesmo tempo. Separadamente, conceitualmente, sei que estou num mercado, e que é São Paulo, e que viajei a madrugada inteira. No entanto, na hora da conexão destes dados em minha mente, algo falha. E, no conjunto da obra, sobra uma angústia absurda por não saber, e por lembrar que isso já me ocorreu outras vezes, e que perdi temporariamente a memória. Em São Paulo.
Me agarro ao braço do amigo, conto que estou zonza e que ele me tire dali imediatamente, me leve a um lugar afastado do parapeito, onde eu possa sentar. Acomodada, bebo água. Minutos depois me sinto bem melhor. Mas desço as escadas sem olhar para o chão e fico no térreo o resto do passeio.
Saio do mercado. Olho para um lado e outro, e não sei para onde devo me dirigir. Sei que estou perto da 25 de março (semana antes do natal!), perto da Sé, perto da Estação da Luz, enfim. Vejo a Sé ao longe. Só que não sei como chegar em nenhum desses lugares, tantas vezes visitados por mim antes. "Desmemoriada" em São Paulo! Preciso chegar na casa de uma amiga. Sei o endereço dela, até o número do apartamento. Mas não consigo lembrar do bairro, nem como chegar lá.
Me interno no ônibus da Prefeitura no qual viajei. Somente perto do meio-dia tomo coragem e, acompanhada do meu amigo, e pedindo indicações de esquina e esquina (como se eu nunca tivesse passado por estas ruas!) chego à Estação da Luz. Ligo para minha amiga, anoto direitinho como chegar na Vila Madalena. Dentro do metrô, porém, resolvo passar pela Paulista e comprar livros. Subindo a escadaria da Estação Trianon, nova vertigem. Agora, sozinha, na Paulista, carregando mala. Me enfio na Livraria Cultura, compro o que quero, ligo novamente para a amiga, e desta vez anoto tudo direitinho, como fazer para chegar ao meu destino. Morta, exausta, um pouco assustada, chego lá. Durmo, durmo, durmo. Só levanto às 20h30 com a campanhia tocando e a barriga roncando. Durante o dia, tinha comido apenas uma salada de frutas no mercado. Saímos, comemos, parei numa lan para checar se um pedido em particular tinha sido atendido: uma alegria neste dia infernal.
Volto para casa morta de cansada e durmo como criança, exausta.
Depois desta quinta, São Paulo nunca mais será a mesma para mim.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Espelho


Sou reflexo.
Não há sentimento em mim
que não haja no outro;
vejo-me no outro,
sou o outro.
Vivo nessa fantasia
de olhar-me noutro corpo;
deste interesse por algo
que é de mim, e que é de alguém,
e que, ao mesmo tempo, é só meu.
Sou espelho, apenas o que me mostram.
Se abaixam a cabeça,
meus ombros a sentem;
Ao olhar dos que amam,
respondo com paixão.
Trate-me da forma que
gostaria de ser tratado
e lembre-se de ter cuidado:
sou sua imagem distorcida,
sua alma em reflexo.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

O fundo do poço


Uma mulher se dizia vidente e ganhava bem a vida com isso. Deu ontem, na TV. Aconteceu em Belo Horizonte, mas pelo que me lembre, acontece em todas as cidades que conheço: a exploração da fé.
Não entendi bem se essa mulher de Belo Horizonte se dizia prima de Madre Teresa de Calcutá ou se o espírito que ela recebia é quem era parente da Madre. A reportagem diz que ela fazia consultas de graça, por caridade; ao mesmo tempo, mostra ela cobrando 40 reais de consulta e pedindo dinheiro para "desfazer um trabalho". A mulher precisava de 21 velas, a 50 e tantos reais CADA UMA. Devem ser velas feitas pelas mãos da Madre Teresa, para valer tanto.
Uma "crédula" deu depoimento. Procurou a vidente para ter o noivo de volta. Em dois meses de "tratamento" já havia dado R$ 7 mil à vidente e o ex-noivo não voltava. Desistiu, e só então se deu conta de que era enrolada. Tola desse jeito, imagino mil e uma razões para o ex-noivo ter dado um pontapé na bunda dela. Ela merece.
Cada um tem sua fé, acredita no que quiser. Eu mesma já fui a várias videntes quando morava em Olinda. Era divertido: juntava uma turma do Colégio São Bento e marcávamos de ir a cartomantes todos juntos, para gazear aula (também íamos muito ao zoológico quando queríamos gazear). A gente pagava o equivalente a R$ 5, R$ 10 cada um. Depois saíamos rindo muito, contando como tínhamos tentado enrolar a cartomante e como ela também tinha tentado nos enrolar. Ninguém acreditava no que elas diziam. Aquilo não era fé, era pura brincadeira.
As "adivinhações" eram sempre previsíveis. Ou você estava com mau olhado, ou tinham feito um "trabalho" contra você. Tinha sempre uma menina interessada no seu namorado, mas não era para se preocupar porque o namorado amava a cliente. Ah, e tinha sempre o anúncio de doente na família - doença cuja gravidade dependia da cara que fazíamos quando recebíamos a "notícia": se a gente não dava bola, a coisa era fácil de resolver. E algum menino sempre cultivava uma paixão secreta por nós.
Éramos todos adolescentes nos divertindo. Mesmo irresponsáveis e ingênuos, sabíamos que aquilo tudo era uma farsa, um teatrinho divertido. Que eu saiba, nenhum de nós voltou para fazer o trabalho que as videntes nos recomendavam, com velas muuuuuuito mais baratas do que essas vendidas pela mulher de Belo Horizonte.
Só não entendo é como gente adulta vai nesses cantos, acredita, e dá tanto dinheiro para ser enrolada.
Para mim, videntes são atrizes. Nunca pensei em matar Beatriz Segall por causa da sua magistral Odete Roittman; e nunca acreditaria numa prima da Madre Teresa de Calcutá que ganha dinheiro com adivinhações.
Mas cada um acredita no que quer. É muita falta de perspectiva, no mínimo. Dá até pena.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Oração Própria


Seja eu uma criança
Divertida, alegre,
Inconseqüente.
Sejam meus anseios
Simples, fáceis,
E plenamente realizáveis.
Seja minha vida
Estimulada pelos desafios,
Pelas lembranças,
Pela esperança, pelo futuro.
Sejam meus amores
Amados, sempre,
Leves, soltos, libertos,
E felizes por opção.
Seja minha liberdade
A minha canção maior,
O meu sentido,
A minha busca eterna.
Seja minha consciência
Dotada de ética,
De lisura, discernimento,
E tranqüila pelos atos.
Seja minha curiosidade
Um poço infindo,
Um poço de prazeres,
Uma fonte inesgotável.
Seja minha força
Suficiente para o necessário,
Insuficiente para causar danos
E que para sempre me acompanhe.
Seja a minha fé
Dirigida tão somente ao homem,
Às razões da natureza,
E à capacidade que há em nós.
Sejam minhas palavras,
Com ou sem nexo,
Capazes de expressar o que sinto
E convincentes na mentira inevitável.
Seja o meu prazer
Algo eternamente sagrado
Para o qual eu me dedique
Como forma de venerar-me.
Seja, por fim, minha coragem
Algo de que me orgulhe,
Algo em que confie
Para ser o que sou, e o que eu queira vir a ser.


(Copiado do antigo blog, escrito em junho de 2005, mas ainda no prazo de validade)

O que há de errado com Chavez?


A mídia mundial vem tratando o presidente venezuelano Hugo Chavez como um louco déspota, um ditador fora de tempo e de lugar. Nunca vi a imprensa brasileira falar tanto de política sul-americana como agora, por causa do Hugo Chavez. Antes, sabíamos detalhadamente com que roupa a ex-princesa Diana tinha ido a uma visita qualquer, o que a estagiária fez – e deixou de fazer - com o ex-presidente estadunidense Clinton, o novo horário de funcionamento dos trens parisienses, e por aí vai. Da América Latina, mal e mal sabíamos de uma ou outra manifestação das mães argentinas que ainda hoje reclamam o direito de saber onde estão os corpos de seus filhos desaparecidos durante a ditadura. Da Venezuela, só as famosas misses geravam notícia por estas bandas.
Mas eis que surge Chavez para acabar com essa monotonia. O homem foi eleito e reeleito pelo voto do povo, alguém duvida? Então, para começar, ele preserva as forças democráticas pelo menos no tocante à eleição. Não ouvi sequer especulação de que a eleição tinha sido fraudada – especulações que aliás, sobram no primeiro mundo norte-americano, auto-denominado guardião da democracia mundial, apesar de ter sempre em sua história a mancha de guerras promovidas direta ou indiretamente pelo seu próprio interesse.
Não moro na Venezuela, não conheço ninguém de lá, nunca a visitei. Por isso, fico em minha humilde posição de leiga sobre a administração Chavez. Acompanho os noticiários, mas há muito deixei de crer na lendária imparcialidade da imprensa. Minhas idéias acerca de Chavez e sua administração são baseadas numa lógica de pensamentos muito particular e ao mesmo tempo no senso comum.
Quais são os indícios de que Chavez é um ditador, além da mensagem que nos é constantemente passada pela mídia? Além de (como já disse) ele ter sido eleito, ele usa e abusa de um dos instrumentos mais democráticos que há no mundo, o plebiscito. No primeiro final de semana deste mês de dezembro, teve mais um na Venezuela. O povo infligiu à proposta do presidente uma fulgurante derrota. Chavez queria mudar a Constituição Venezuelana e, dentre as alterações, havia a permissão da reeleição sem limite. O povo disse não. Pronto, é não, não vai haver alteração, Chavez não vai se tornar um Castro ou uma Thatcher, o povo não quer. Resolvido. Qual o drama? O governo fez uma pergunta, o povo respondeu e agora reina soberana a vontade popular. Onde há indício de ditadura nisso?
Ah, mas o Chavez fechou um canal de TV venezuelana. Pelo que dizem – eu nunca assisti, portanto... – fazia oposição ao governo. Agora me responda: desde quando televisão ou rádio, meios de comunicação que são concessões governamentais, fazem “posição” ou “oposição”? O dever é informar ou manipular? Não acho certo nem errado, não acho nada. O que eu sei é que há lei constitucional que dá direito ao governo conceder e cassar licença de funcionamento de televisão. Chavez, também pelo que dizem, obedeceu a estas regras constitucionais e cassou. Queria eu que algum governante brasileiro seguisse o exemplo. O desemprego ia aumentar muito, mas os profissionais de comunicação que ficassem no mercado ao menos iriam pensar duas vezes antes de manipular a informação do jeito irresponsável e leviano que se faz hoje em qualquer veículo.
Também dizem que o Chavez governa só para os pobres, que esta é a única camada da população venezuelana a dar apoio ao seu governo. A classe média, a classe alta e – suponho – principalmente a classe altíssima não gostam nem um pouquinho dessa popularidade de Chavez. Mostram-se “politizados”, pegam suas bandeiras e vão para as ruas manifestar contra o governo. Isso é legítimo, é direito; mas o que Chavez faz para que o povo pobre o venere, isso a gente aqui não sabe, porque a mídia não mostra. Em que condições esse povo vive, a gente até faz idéia, mas não sabe de verdade. Mas alguma razão há de ter.
Pelo que mostram, o Chavez é uma pessoa chata, muitas vezes inoportuna. Tem uma ironia e uma sinceridade que não são lá muito apreciados em governantes – estamos mais acostumados com mentirosos de expressões sérias e palavras e gestos elegantes. Pelo que mostram, ele é tão grosso, tão estúpido e arrogante, que poderia até ser o rei da Espanha. (Cala-te!). Eu acho.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Pequenas coisas


Há tempo não vejo a imagem de meus meninos
Nem consigo me balançar na rede da varanda
Muito menos sonhar de olhos abertos
ou sentir o perfume dela.

Há tempo deixei de sorrir francamente
De olhar para os lados quando caminho
De observar rostos, rugas, peitos
De ser sincero comigo mesmo.

Há tempo minha vida segue sem rumo
Sem mapa, sem motivo, sem mar
E toda terra que avista é um porto
No qual não quero ou não posso atracar.

Há tempo eu lamento em vão
Em segredo, com vergonha, vencido
Atrás de culpas, culpados, perdões e perdas
Dando voltas e voltas em torno de mim mesmo.

Há tempo não tenho sossego
Não tenho razão para seguir ou ficar.
Há anos que me assombro com
Minha própria solidão.

Há tempo não me iludo com felicidade
Nem peno com o sofrimento de ninguém
Há anos desisti de sonhar
E adio o adeus enfim assumido.

Ao fim de tudo




Sombria noite
da lua nova
escondes algo
que a mim devora
Tão reticente
me absolves
de pecados outros
cometidos outrora.
Noite sombria,
a que vens?
perturbar minh´alma
é o que convém?
Acende esta lua,
ilumina o mundo.
Meu passado foi,
Meus pecados são.
Não interfiras, sombria,
em meu renascer
foges, por caridade,
deixa-me fingir.
Devassa noite,
que me castiga:
o meu tormento
tu instigas.
Em busca de um sonho
vaguei pela vida
larguei amores
causei feridas.
Desavenças e ódios
semeei no caminho
ao invés do sonho,
colhi espinhos.
Nada me restou
a não ser a ti, sombria,
para lembrar os desencantos
de uma vida vazia.

(novembro/2004)

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Meu ídolo


Sonhei com Nelson Gonçalves esta noite. Assistia a um show dele, e no sonho ele cantava exatamente estre trecho "mania é coisa que a gente tem mas não sabe por quê. Dentre as manias que eu tenho, uma é gostar de você".
Pois é, eu gostava do Nelson Gonçalves. Sabe de quem eu também gostava muito? Noite Ilustrada! Mas meu ídolo maior, a pessoa que sempre quis conhecer na vida, que eu achava que era a pessoa mais interessante do mundo, este se foi sem que eu tivesse a oportunidade de sentar com ele e conversar - aliás, ouvir, ouvir e ouvir. Era Mário Lago.
O estranho é que esse meu gosto partiu da infância. Desde criança eu tinha essas preferências. Ah, e tem o Julio Iglesias. Achava impressionante a voz dele. Meu pai sempre contava que eu, desde pequenininha, não podia ouvir uma música do Julio Iglesias no rádio, pois ficava o tempo todo admirada com a voz do homem.
Não perdia um show do Nelson Gonçalves. No último que eu fui eu devia ter uns 16 anos. Foi no Olinda Praia Clube. Meu pai fez que fez, e terminou me levando para o, digamos, camarim do cantor. Nelson estava bêbado - foi o que eu pensei na época, inexperiente que era. Tinha os lábios muito descoloridos, pálidos, descascados. Lembro que vi aquilo de perto e imediatamente me lembrei de uma barata. Argh. Pois o homem me deu dois beijinhos no rosto. Beijo molhado, gelado. Como disse, foi o último show do Nelson que eu fui. Mas ainda me arrepio quando escuto aquela voz entoando "cabocla, teu olhar está me dizendo..." ou "naquela mesa está faltando ele, e a saudade dele está doendo em mim". Vozeiraço!
E tinha o Mário. Sentia que precisava conhecer o Mário Lago. Ouvia todos os CDs dele que batiam na minha mão, colecionava as letras de música dele, assistia a todos os programas televisivos que ele participava, lia todas as entrevistas, tudo que saía sobre ele na mídia. Era fã mesmo, em qualquer sentido da palavra. Sempre me via com ele numa confortável, simples a ampla sala de estar, eu acomodada em um sofá, ele em outro. Imaginava mil e uma conversas, milhões de histórias que ele contaria, lições que eu aprenderia com um verdadeiro Mestre. Não sei como se originou esse fascínio por Mário, mas começou na infância. Acho que tudo começou com a Amélia. Escutar essa música e pensar sobre seus múltiplos significados é o que vem de mais forte na memória, sempre que penso em Mário. Lembro de ouvir a mesma música 1.500 vezes numa só tarde, na vitrola do meu pai (aliás, era o máximo na vizinhança. Todos os vizinhos pediam para gravar fita cassete no som 3 em 1 de papai). Lembro de ter feito isso enquanto morávamos no bairro chamado Barro, perto de Areias. Quando nos mudamos de lá eu tinha 8anos. Portanto, uma feminista bem precoce, talvez.
Chega. Foi bom sonhar com Nelson. Mas quando eu sonhar mais uma vez com a conversa que eu não tive com o Mário Lago, aí sim, acordarei nas nuvens.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Ladeira abaixo


Quando tudo cansa,
a natureza espera
o tempo só passa
o suor não escorre
o amor arrefece
a luta é perdida
o monstro se apossa
o corpo se vai
para a rede armada
em parede alguma.

Se resta esperança,
não basta a todos
e poucos a percebem
em meio ao caos
de sujeitos e objetos
substantivos adjetivos
diminutivos, diminutos
tantos sentimentos
- deuses, tantos! -,
e tão poucos para mim...

E vem a perda
tão rejeitada,
recusada, detestada,
por mais que esperada fosse
- e ela sempre o é.
A agonia do oco
tripas vazias,
sal abundante, choro,
dói não se sabe onde
e vem o arrependimento.

A fase da ilusão.
Tudo era áureo,
rico, belo, feliz
sem defeitos - e se
existiam, que graciosos... -
restou muito, quase tudo
há o desejo, a vontade
o poder, a força, a decisão
vem a certeza do conserto
quebrada pelo sonoro "não".

Fica a vida
fica a agenda, a rotina
a obrigação de crescer
de aprender a ceder
ou de se (re)conhecer;
o espelho intacto,
a alma, nem tanto.
Fica a boca amarga
saudade do que devia ter sido
fracasso pelo que foi.

Fica a certeza de existir
e superar, se superar,
do dia depois de amanhã
da fome na hora do almoço
do despertador a tocar
da vida para levar
de fantasmas a criar
de sentimentos a enterrar
da dor da perda a sofrer.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

A identidade secreta de Noel


Acharam!!!
Encontraram o Noel da Riachuelo, descobriram sua história!!!

Meu eterno amigo e professor, e ao mesmo tempo ex-marido, leu o blog ontem e me mandou notícias do Papai Noel da Riachuelo! Calma, vamos por partes. É que estou eufórica, acabo de ler o "relatório de descoberta".

Quando morei na Riachuelo, era casada. Atualmente estou em Minas, mas meu ex-marido continua morando lá, no mesmo prédio, só que o atual apartamento fica três andares acima de onde havíamos morado. Pronto, já os inseri no contexto.

Pois bem. Ele me conta que, voltando tarde de noite para o seu ap, depois de uma sessão de conversa de bar, reencontrou o papai noel sob a mesma marquise de outrora. Animado (nós compartilhávamos da mesma curiosidade sobre a figura), encostou na marquise e puxou papo. Bem, pelo que ele me conta, a conversa foi até o raiar do dia, e só terminou porque papai noel tinha (tem) um compromisso todos os sábados cedinho no Mercado São José, e compromisso com os colegas de rua é para ser cumprido.

A conversa variou muito mas nunca tangenciou a identidade de nenhum dos palestrantes. As idéias é que interessavam - como, aliás, devia ser sempre. Como contou meu amigo: "Eu que vinha entediado de uma conversa de bar, dessas que servem apenas para matar o tempo e olhe lá. Fiquei uma semana em estado de graça por ter recebido tanto, de forma tão imprevisível, de alguém que não me pediu nada em troca além de uns tragos. Uma conversa limpa, sem indícios de desequilíbrio ou mágoas. Uma consciência tão cristalina que me causou inveja, nada de lamentações ou relatos de perdas e danos". Ai, que inveja!!! Isso só aguçou ainda mais minha curiosidade.

Bem, por outros caminhos nada tortos, e profissionais, eis que tempos depois dessa conversa com o bom velhinho, meu ex-marido se depara com notícias da figura através de uma tarefa passada para a turma de universitários. Uma aluna afirma que o velhinho de barbas brancas e pés rosados (sim, ele voltou à forma original e admirável!) é um ex-professor universitário, e dos bons. Diz que quando ele tem saudade das aulas e do convívio com os alunos, perambula pela Rua do Lazer.

Ok, dou o braço a torcer. Papai Noel existe.
Sei que parece babaquice, mas essa notícia e essa história me fizeram tão bem hoje, me deixaram tão feliz, que vou até dispensar a cartinha anual que escrevo com destino à Lapônia. Já ganhei meu presente.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

O Noel da Riachuelo


Somava os centavos, um a um,
pensando no orgulho degredado
perdido nalguma avenida
que nem a ele importava qual fosse.

Lembrar do que fora já lhe era inútil,
senão impossível.
Pensar no que se tornara doía.
Sozinho vagava, é tudo.

Ora alucinado, ora envergonhado
embrulhara a memória e se
dedicara a sobreviver:
o animal há de saciar o corpo.

Vestido de jornal, nas madrugadas,
a consciência cobrava seu preço.
"Para quê vives?
Anda, responde, diz: Para quê?"

Resposta ele nunca tinha;
desconfiava mesmo que não houvesse.
"Cala-te. Não vês que te troco
por um prato de comida azeda?"

Trocaria a consciência como trocara os livros,
os últimos bens a lhe escorrerem das mãos.
Primeiro havia perdido o amor, o próprio.
Ou teria sido, anteriormente, a sanidade?

Aos poucos, e dolorosamente, se adapta.
Um moleque da rua lhe ensina:
"teu mal é que tu pensa. Cheira aqui que passa".
Mais um degrau para o fundo. Não faz diferença.

A fome some, a consciência é calada,
a vida se abranda. Mãos estranhas acariciam.
Quando tudo passar, a miséria estará de volta.
Não tem importância. Não faz diferença.


____________________________________________

Em Recife, morei em um prédio na Rua do Riachuelo por um bom par de anos. Na vizinhança, muitos moleques de rua se abrigavam embaixo das marquises, e lá faziam tudo o que a vida lhes permitia, embora a lei não. Um dia, apareceu um novo "morador", a quem chamei de "papai noel". Era estranho, tinha cara de ser um erudito. Estava sempre com uma caixa, repleta de livros. Sempre estava lendo algum. Não chegava a ser gordo, mas estava um pouco acima do peso, tinha uma longa e cuidada barba branca. E os pés, então? O solado dos pés era absolutamente rosa, uma coisa impressionante! Sempre que passava por ele, minha atenção ia primeiro para aquela barba impecável, depois para os livros, e finamente para aqueles pés limpíssimos e bem cuidados.
Pensei em muitas prováveis histórias que poderiam ser a do papai noel. Podia ser algum amante dos livros que resolveu "se libertar do sistema". Podia ter sido traído pela mulher adorada, e se entregou ao mundo. Podia ter surtado. Podia ter perdido tudo o que tinha num carteado. Sei lá. O cara mantinha a dignidade, e a vizinhança reconhecia: sempre que vinha para minha casa no horário de almoço, lá estava ele sentado em cima de um papelão, livros ao lado, quentinha na mão (marmita mesmo!), comendo de garfo e faca. Às vezes tinha até suco para acompanhar.
Quando voltava da universidade, tarde da noite, ele estava deitado, cabeça apoiada nos livros, com um cobertor grosso forrando o chão e outro por cima de seu corpo. Nada de moleque por perto.
Assim foi, foi... até que um dia eu passei e notei a barba suja, degrenhada. Olhei a caixa e nada - sem sinal de livro por perto. Pensando no pior, encarei meus temores e olhei com atenção para o pé: estava podre de sujo. Papai noel virara, enfim, um pedinte sem tirar nem pôr.
Passou-se mais um tempo, eu observando com atenção as amizades que o outrora bom velhinho fazia. Um monte de moleque cheira-cola o adotara como padrinho, ou coisa que o valha. Certa noite, voltado tarde para casa, vi algo que me chocou: papai noel tava cheirando cola, junto com uns oito moleques, entre eles duas meninas tão pequenas que nem peito tinham.
Desisti. Papai noel estava perdido. Aliás, nem era mais papai noel. A barba já tinha deixado de ser branca e estava amarelada.
Noite de entrega do Prêmio Cristina Tavares de Jornalismo. Noite de rever amigos, falar mal de inimigos, descobrir "por onde anda" outros. Depois de uma esticadinha numa pizzaria, já de madrugada, vou para casa. Passo, de carro, pelo "bom velhinho". A putaria estava generalizada: o ex-papai noel tava numa orgia com os meninos e as meninas de rua. Nem se importavam com quem passava, nada. Não acreditei. Fiz a volta com o carro e passei de novo pelo local. É, era aquilo mesmo que eu tinha visto da outra vez.
Desencantada, minhas versões de prováveis histórias daquela figura mudaram muito. Por fim, aprendi a passar por ele sem dirigir o olhar sequenciamente para a barba (imunda), os livros (desaparecidos) e o solado do pé (preto). Semanas depois, ele e seus amigos foram jogados dentro de dois camburões, e desde então nunca mais os vi.
Conclusão: papai noel não existe.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Um pinguinho de exagero



A gente vicia em internet.
Passei o final de semana todo sem conseguir me conectar. Anotei o número de todos os erros apresentados, depois vou fazer umas análises combinatórias e jogar na megasena, pra ver se isso foi sinal dos céus ou azar do créu mesmo. 734, 633, 627, que eu me lembre. As mensagens diziam que o telefone não estava ligado (!), que tinha sido encerrado o protocolo sei lá de quê, que não havia acesso à porta de comunicação (hein? onde eu larguei essa chave?), e mais um monte de bobagens sequenciadas. Fez com que eu me lembrasse do dito popular: desculpa de amarelo é comer barro.
Como moro em zona rural, a única saída para conexão de internet é essa que estamos usando, via celular. Então nem adianta reclamar com o servidor, senão os caras ficam abusados com a gente e sugerem que, já que estamos achando ruim, cancele o contrato. Não podemos fazer isso. Formamos uma comunidade familiar alérgica a telefone. Se a gente quer levar um papinho com alguém, liga o msn. Se o papo é mais sério, vai por e-mail. Se é só um recadinho, vai pelo orkut. Se dá saudade, abrimos a cam. Somos toxionlinecômanos (ou toxiconlinemaníacos, qual será a terminologia correta?).
Se me chateei por ficar sem acesso, meu irmão, se estivesse pelo sítio no final de semana, a essa altura estaria na UTI cardiológica.
O doutor:
- Ele está com uma pressão elevadíssima. Alguma contrariedade forte nos últimos dias, muito estresse no trabalho, algum trauma recente?
- Não senhor, doutor. Ele sofreu um acidente em agosto e ainda está de licença médica por isso. Ele colocou o carro numa oficina mecânica em março e o carro ainda não ficou pronto. Todas as cadelas do canil cruzaram com o rotweiller do vizinho e geraram dezenas de viralatinhas. Mas tudo isso ele já tinha superado. O problema é que ele tentou acessar a internet o final de semana todinho e não conseguiu.
Seria mais ou menos isso. O único exagero nisso é a atenção e a delicadeza dispensadas por um cardiologista de emergência à família de um paciente, desde que somos todos simples pagantes da saúde pública - ou seja, temos plano de saúde de privada, aliás, privado. Nada de dinheiro vivo, doutor.
Voltando do arrodeio, cá estou novamente me queixando da falta de acesso à internet no final de semana. Fiquei sem escrever, fiquei sem ler os blogs, sem saber das "últimas notícias no Brasil e no mundo", sem abrir meus e-mails (isso dói), sem vagar por esse mundão do google. Fiquei sem meus joguinhos bestas, sem o msn. Quase uma náufraga numa ilha deserta. Nem consegui me concentrar direito para as minhas leituras de livros, aqueles objetos já quase classificados como "não-identificados" pela nova geração. Isso porque toda hora voltava para a frente da "teletela" e fazia uma nova tentativa de conexão. E a frustração, seguida de mais uma nova vã tentativa.
Isso não é caso para se queixar no Procon. Não é uma simples deficiência na prestação de um serviço qualquer. Isso já virou caso para a Comissão de Direitos Humanos da ONU.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Sunshine


Lembrei de algo que certamente irá me despertar: assistir mais uma vez ao filme Sunshine. Um dos melhores que já vi na vida. O filme todo é marcante, mas a cena que se passa num campo de concentração me causa ânsia e uma variedade de sentimentos tão fortes que só isso valeria anos e anos de psicanálise.

E agora?


Tô a fim de escrever aqui, mas não sai nada. Comecei um texto falando do quanto eu gosto de Sampa, em comparação com o Rio. O texto me levou a Minas e às razões pelas quais me mudei para cá há um ano. Apaguei tudo e comecei um outro texto, no qual tentava explicar essa minha sensação de que não preciso mais procurar meu canto, eu o achei em Minas. Daí entrei pelo defeito mineiro, a falta de mar, e naveguei para outro rumo, o Espírito Santo (também chamado praia de Minas). Aí vi que não era nada disso que eu queria falar. Deletei e vim confessar o meu fracasso diante de todos.
Fiquei na internet até muito tarde na noite passada, e depois me agarrei aos livros até perto das 4 da manhã. As cadelas me acordaram, com latidos bem na janela do quarto, às 7. Desde então, sonolenta mas incapaz de pregar os olhos, estou procurando o que fazer. Nesse estado, não sou boa leitora, então nem tentei ler nada. Acabo de descobrir que também não posso escrever.
Tô com a sensação de que o dia não vai ser bom.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Tá dito



Me falaram
Que não queriam dizer o que disseram,
Que queriam dizer o que não disseram,
E que eu preciso acreditar na palavra.

Não me animo
A crer na expressão de quem não pensa
Nas falsas desculpas do enforcado;
Na máscara vestida para o pedido de perdão.

Desista
É o que eu digo, redigo, redijo
É minha palavra, meu pensamento, meu ato
É o que não será desfeito: é meu conselho.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Só um caso


Início de noite quente. Entra em seu carro, liga o ar condicionado, espera que todas as portas se fechem e segue. Ao seu lado, a esposa que o acompanha na vida há 31 anos. Casou-se aos 23, jovem. A amou, a amava. Mas reconhecia um quê de interesse em seu casamento. No banco de trás, duas jovens. Suas filhas. Uma já desquitada, com uma filhinha de 2 anos e pouco. A outra prestes a se casar com um canalha, um rapaz ambicioso e preguiçoso. Um legítimo golpe do baú, que ele teria que engolir em seco.
Todos trabalhavam juntos, na empresa que montara há uns cinco anos. Saíam de casa juntos, almoçavam juntos, voltavam para casa juntos, faziam os mesmos programas de final de semana juntos. A vida se acomodara de um jeito que o fazia acreditar que era feliz, muitas conquistas contabilizadas, a empresa só dava lucros, estava tudo indo muito bem.
Duas vezes por semana, saía à tarde a pretexto de uma reunião qualquer. Mentia. Ia ao encontro de Lúcia, sua amante de 25 anos. Isso já durava mais de um ano. Também contabilizava a relação extra-conjugal como importante conquista em sua vida. Lúcia lhe dava ânimo, lhe alegrava, despertava um desejo que há muito não sentia. Antes tivera incontáveis amantes, mas Lúcia era diferente.
Nem era muito bonita, mas tinha uma personalidade cativante: forte e doce ao mesmo tempo, em proporção equilibrada. Os dois gostavam muito de sexo, e com Lúcia ele conseguia liberar todas as suas fantasias sem sentir-se ridículo com isso. A diferença de idade nunca se fez presente entre os dois.
Pensava em Lúcia. Ligava para ela todos os dias, não por obrigação, mas por prazer. Sempre que podia escapar, ia ao seu encontro. Na maioria absoluta das vezes, a conversa terminava em sexo. Mas em outras vezes não, e isso também era gostoso. Dialogar. Trocar idéias. Coisas que ele não tinha em casa, a não ser quando se tratava de negócios.
Nunca pensara em largar a família para viver com Lúcia mais intensamente. Aliás, chegou a pensar nessa hipótese algumas vezes, mas nunca a sério. A amante não lhe exigia nada, nunca o encostou na parede, parecia e dizia estar satisfeita com a relação do jeito que era: tesão, amizade, encontros fortuitos. Bastava para os dois.
O problema é que Lúcia mantinha uma vida paralela também. Namorava, saía com outros homens, se divertia. Ontem ela confessara estar apaixonada por outra pessoa. Não falou em terminar a relação, mas ele pressentiu que isso estava prestes a acontecer. Perderia Lúcia. Estava confuso, não sabia o que fazer. Realmente gostava demais de Lúcia - se não fosse casado era certo que a escolheria como esposa. Mas não iria largar a família, isso seria muito complicado e ele detesta complicações.
Sentiria falta dela, muita falta. Infelizmente, não podia fazer nada para evitar a perda. Tinha essa convicção. E se... não, não, melhor deixar essa idéia para lá.
- Querida, vamos jantar hoje naquele restaurante francês que inaugurou semana passada?
- Você quer? Vamos.
- Me disseram que lá tem...
- Já disse: se você quer, vamos.
- Está brava? Que foi que eu fiz?
- Nada, Antonio, você nunca faz nada. Vamos logo para essa bosta de restaurante. Não é o que você quer? Vamos.
- Então vamos.

Lúcia vai me deixar. Mas não posso fazer nada para evitar. Não queria. A não ser que eu... não, não dá. Não teria coragem.
- No que você está pensando, Antonio? Passou a droga do dia inteiro com a cabeça longe, sem me dar atenção!
- Ah, então é isso! Não se preocupe, querida. É que estou preocupado com uma reunião que terei amanhã à tarde. Vou ter que assinar um contrato, mas tenho certeza que terei prejuízo.
- Prejuízo? E porquê então vai assinar o contrato?
- Porque me comprometi. E você sabe, compromisso para mim é sagrado.
- Como você é burro, Antonio. Não se assume compromisso para ter prejuízo!
- Pois é, querida, pois é...

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Responsa


Tudo o que eu queria era não precisar de nada. Querer, só por querer; ter onde buscar de graça o que eu quiser. Não precisar acumular, não precisar pensar no dia seguinte, não precisar contar cédulas, não precisar precisar.
Liberdade custa muito caro, e para mantê-la é preciso submeter-se. Ou seja, ela simplesmente não existe no conceito amplo. Satisfaço-me, por falta de opção e pelo bem da minha sanidade mental, com o que consigo extrair dela aos pedaços, em miúdos.
Nem sei quando foi que perdi a ambição. Não lembro quando resolvi abrir mão das marcas e modismos, em troca de conforto puro e simples. Só não consegui me livrar do orgulho, nem sei como seria viver sem ele. Nunca tentei isso. E também cultivo uma certa vaidade que não é física, aparente.
Claro que queria ganhar na megasena. Para não precisar. Mas nem jogo. Não preciso ganhar na megasena, eu só quero. Que caia do céu, ou da porta traseira do carro-forte em alta velocidade. Daria todo o dinheiro para alguém administrar, enquanto eu ia simplesmente continuar a vida como a levo hoje. Só que sem precisar.
________________________________________
Isso tudo é fruto do fato de ter retornado hoje ao meu ex-trabalho. Resolvi permanecer por mais 30 dias, enquanto procuram um substituto. Não pelo ex-patrão, que fique bem claro. Mas pelos meus colegas e pelos projetos já iniciados, que eu gostaria de concluir ou ao menos deixar melhor encaminhados. Eu verdadeiramente não precisava conceder esses 30 dias. Mas me sinto com essa obrigação de fazê-lo.
Nem por isso me sinto melhor. Estar aqui me embrulha o estômago. Por sorte, ainda não encontrei com quem não quero. Mas será preciso.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Compromisso


Sou impulsiva.
Não adianta me cobrar racionalidade
Quando tudo o que quero
É dizer tudo o que quero.

O certo é o que eu acho que é certo,
E não o que você me diz ser.
Sou arrogante sim, e daí?
Isso não é da sua conta.

Esperança, essa eu nunca perco.
Mas nunca em você: sempre em mim.
Não temo as consequências dos meus próprios atos.
Não temo! Aprenda isso: não temo!

Nada do que você pensa me afeta.
Nada do que me diz, eu escuto.
Não enxergo com seus olhos,
Não preciso de você.

Somos seres distintos,
Eu, você, os outros, o mundo todo.
Sou impulsiva, seu racional!
E só sou feliz assim.

Não me venha com suas amarras,
Suas camisas-de-força. As renego!
Não tente me prender, você não é capaz.
Ao invés disso, tente se libertar.

Tente, ao menos uma vez,
Fazer explodir todo o seu ódio,
Todo o seu nojo, sua repulsa;
Tente ser livre, meu caro, tente.

Que as normas sejam peças de ficção,
Ame-se, crie suas próprias regras!
Mas não exija que eu as cumpra:
Eu sou assim, eu sou isso, e me gosto desse jeito.

Seja como for, seja feliz
E continue ao meu lado
Porque eu te amo,
Seu imbecil.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Eu despedi o meu patrão


"Eu despedi o meu patrão (...) ele roubava o que eu mais valia, e eu não gosto de ladrão".

É isso. Só estava há quatro meses no emprego, e nesse período eu pensei em me demitir pelo menos umas 100 vezes. Nunca tive paciência para suportar desaforos e desmandos, e sou arrogante demais para ter um patrão mais arrogante ainda. Não consigo suportar ser comandada por alguém que ostenta orgulho ao espalhar aos quatro ventos nunca ter lido um livro na vida, e não sentir falta de livros. Afinal, sou jornalista. É para mim humanamente impossível lidar com um patrão que não quer textos no jornal por afirmar que o povo não gosta de ler (se não gosta mesmo, pra que gastar dinheiro com jornal?). O pior é que estou falando de um administrador público.

O ex-patrão é daquele tipo que arrasa com a auto-estima de seus funcionários, deixando-os apáticos e descrentes de si mesmos. O problema é que comigo isso não funciona. Recebia um ataque, devolvia outro. Abusei da ironia "n" vezes ao desferir os tiros. Mas isso nem deu tanto prazer. Foi mais ou menos como contar uma piada para quem não entende: você tem que explicar cada ponto, e a piada, por melhor que seja, perde completamente a graça.

Acredito que o trabalho só faz sentido quando te traz prazer ou recompensa financeira. O meu não trazia nenhum dos dois. Poderia enrolar mais um tempo, pegando uma licença médica, por exemplo. Mas isso não combina comigo. Tenho essa mania de ser transparente, e falar o que penso assim, na bucha, sem meias palavras.

Se fosse pegar licença médica, pediria ao médico para anotar que eu estava com febre tifóide. Tifóide, patrão. Tifóide. Tifoida-se. Nem estaria mentindo, tenho mesmo essa doença crônica que me faz mandar tifoider-se qualquer um que me tira os restos mortais de paciência que tenho.

Pensando direitinho, a culpa disso é do Dimas. Foi ele quem atiçou despudoradamente a minha inveja ao dar a entender que teria um dia a mais de folga nesse feriadão, e que iria curtir na praia comendo lagosta a R$ 10. Foi demais pra mim. A inveja cresceu, cresceu, e resultou num acesso de tifóide.

Deu no que deu. Agora, Dimas, meu feriadão vai ser maior que o seu! hehehe.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Inconsciência


Estou no comecinho do livro "1984", de George Orwell. Um dos assuntos que trata é a manipulação da história: como um sistema absolutista cria, muda e impõe a história ao mundo, transformando homens em heróis, vilões ou nada, de acordo com a sua conveniência. Fatos ganham elogios e notoriedade, enquanto outros são simplesmente "vaporizados", para usar o termo do autor.
Ainda nesta semana li uma matéria da Carta Capital sobre a morte de Che Guevara. A história modificada ao sabor dos interesses até hoje incomoda. Sabe-se de muitas versões, mas quem saberá o que houve de verdade? A reportagem levanta a hipótese do assassinato ter sido determinado pela CIA. Por outro lado, documentos da época "revelam" que a panaquice foi um desvario do comando militar boliviano sem prévia consulta e com a desagradável e prevista consequência do nascimento de um mártir à morte de um homem. Fato concreto: Che morreu.
Já falei aqui, em outro texto, que na infância eu desconfiava de que tudo no mundo existia apenas para me enganar (claro que confesso meu egocentrismo, embora naquela época eu o praticasse com ingenuidade). Achava que a história não existia. Que meus bisavós eram lendas, e tudo o mais que remetesse ao passado. Só me conformei de que estava errada quando novos integrantes da família foram nascendo. A lógica era: os novatos também podiam pensar que eu era parte da mentira. Por uma questão de sobrevivência histórica, resolvi parar de pensar nisso tudo.
Quando eu estava quase curada (é que ainda estou saindo da infância, tenham calma), pego nesse livro, leio essa reportagem e fico ensimesmada. Já sei que meus bisavós não foram lendas, que existiram de fato. Mas não sei o quanto de verdade há no que me contaram sobre eles. Não sei o quanto de verdade eu repasso para meus sobrinhos. Fico imaginando quantas personagens foram criadas ao longo desses milênios de existência humana. E quantas teriam sido injustiçadas pela história?
Quando criança eu não acreditava em história. Era uma lógica torta, infantil. Mas não deixava de ter um fundo de razão.
Hi, Big Brother.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

É Fantástico!


Não sei se para agradar aos poderosos cafeicultores do Sul de Minas, mas o fato é que São Pedro aqui mostra todo o seu lado publicitário ao realizar sua missão de trazer a chuva.
Depois de um dia inteiro de calor sufocante (note-se: sou pernambucana, então para eu dizer que um calor está sufocante, é porque está de fato), um início de noite abafado, então o cenário está feito. Começa o espetáculo.
Do nada, raios e trovões surgem rasgando a noite e, literalmente, as árvores. O vento não tem nada daquele lírico sopro: vem em forma de uma ventania assustadora que não assovia, grita mesmo. Você olha para fora e não vê absolutamente nada. Escuro, breu. A essa altura do campeonato, tem uma cadela escondida por trás do sofá, outra desesperada pensando que é uma "cã-aranha" ao pretender passar para dentro de casa através da janela, outra ocupa espaçosamente o tapete da porta principal.
Quando um raio rasga o céu, você tem a impressão de que colocaram um mega-holofote bem na sua cara. Vem um som estrondoso, e desta vez não é só um trovão. Uma das árvores cedeu um poderoso galho, que por pouco não foi repousar na cama que eu dormiria. Por precaução, prefiro dormir com meus sobrinhos, num quarto que está a uma distância segura de árvores. Não vou para casa, meu irmão VAI TER que me hospedar nessa noite.
Isso tudo acontecendo lá fora e eu meigamente conversando com amigos pelo msn. O mundo desabando e eu com olhar fixo na tela do computador, de vez em quando narrando algum dos fatos espetaculosos desse São Pedro mineiro. Sem dúvida, uma alienada. A continuar assim, domingo que vem assisto a toda programação da Globo, começando pelo Globo Rural e terminando no incrível (sim, é incrível como ainda tem audiência) Fantástico.
Mas eu falava do espetáculo da chuva. É, esfriou um pouco e a água acumulada vai me obrigar amanhã a usar uma das peças mais odiadas, a bota. E torcer para não escorregar na ladeira íngreme do sítio - acho que meu irmão escolheu o local para não sentir muita saudade de Olinda. Achamos uma mini-Misericórdia em Minas.
Depois de toda a cena, o vento pára e a tempestade acalma. Isso tudo em meros... hum... vai lá, 15, 20 minutos. Chuva suficiente para alagar a Avenida Chico Science, em Olinda. Se bem que a impressão que eu tinha quando morava em Olinda é que não podia cuspir ao passar pela avenida, senão alagava.
Meus sobrinhos estão preocupados comigo e com minha casa. Pedem para que eu durma com eles (coitados, pensam que tinham essa opção de convidar). O mais novo alerta: "se você for pra lá, pode 'acordar morta'". É, né? E o outro completa: "é melhor você dormir com a gente mesmo. Duvido que amanhã de manhã tenha sobrado alguma coisa inteira na sua casa". Animador, não?
Dramas infantis e nem tão infantis à parte, aproveito a calmaria e vou lá, ver o que aconteceu. Espero encontrar telhas quebradas, cama alagada, o caos. Que nada, tá tudo em ordem, além, claro, do galhão caído na varanda.
Ê, São Pedro. Se fosse ave, seria galinha. Se fosse gente, publicitário, sem dúvida.

Sem assunto 2


Onde foi parar a imaginação?
Nas reuniões sem fim e sem fundamento
Nos textos feitos sob encomenda
Nas discussões de tema diário
Nos sempre mesmos argumentos, prós e contras
No vazio do roteiro
Na elaboração do planejamento
Na eterna falta de execução
Nas adaptações impostas e prejudiciais
Na prioridade invertida
No contexto único
Na ordem acatada
Na lógica vencida
Nos mesmos problemas
Na falta de soluções
Na rotina
No (do) trabalho.
____________________
Ando muito irritada. E preocupada.
O mau humor está cada vez mais recorrente.
Será que vou ficar uma velha careta e ranzinza?
Ô praga.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Fábula Pseudo-biológica


Num lugar não muito distante, existe um reino onde os instintos primitivos imperam, a natureza é a irmandade adorada, onde não há medo: o Reino Monera, habitado por organismos muito simples, de estrutura unicelular procarionte, autótrofos ou heterótrofos.
O Reino Monera é atualmente dividido em dois ramos distintos: a divisão Schizomycophyta - que compreende as bactérias -, e a divisão Cyanophyta, formada pelas algas azuis ou cianofíceas.
As algas azuis são mais respeitadas no reino que as bactérias, pois conseguem realizar a fotossíntese, embora não apresentem plastos, apenas lamelas fotossintetizantes. As cianofíceas possuem uma extraordinária capacidade de adaptação aos mais variados e extremos ambientes.
Já as bactérias são tratadas como verdadeiros marginais, coisa que merece desprezo. Isto porque a maioria delas (veja bem: a maioria, e não todas!) apresenta nutrição heterótrofa, vivendo principalmente como parasitas de organismos vivos ou decompositores de cadáveres. As bactérias parasitas são responsáveis pelo surgimento de inúmeras infecções em plantas e animais. Mas há um tipo de bactéria muito pior, a que alimenta o inimigo, e portanto, a que conspira contra a vida de suas irmãs (inclusive das mimosas algas azuis): as bactérias decompositoras são responsáveis pela reciclagem de matéria orgânica na natureza, ou seja, facilita a vida do inimigo comum de todos os reinos dos organismos vivos, o homem. As bactérias precisam do homem e do lixo que ele produz.
Mas tudo - dizem os jornais bacterianos - não passa de intriga da oposição. "Algas azuis produzem fotossíntese, mas são as bactérias que garantem o alimento", argumentam os pós-doutores bacterianos. Defendem-se afirmando que "as bactérias representam a maior parcela do material vivo deste planeta e também possuem capacidade extraordinária de reprodução. Deduz-se, portanto, que são as responsáveis pela maior parte das trocas químicas realizadas entre os seres vivos e o planeta".
Ninguém sabe o que originou o "apartheid". As bactérias chamam as algas de "dondocas européias". As algas chamam as bactérias de "povo", "plebe", "pobres". A população de algas é imensa. Mas não chega a ser nem a 10% da população de bactérias.
Donde conclui-se: não se sabe porque razão as bactérias aguentam os desaforos das algas. Mas um dia essa mamata pode acabar.

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PS: se houver alguma imprecisão relativa a termos e informações científicas, perdoe. É que sou jornalista, e como diz jocosamente um amigo meu, jornalista não precisa entender de nada, basta transcrever a gravação (PS do PS: transcrever ou copiar informações do google, o que eu fiz aqui).
PS2: Se algum jornalista ficou ofendido com a gracinha do meu amigo, perdoe. E se não quiser perdoar, processe. Mas sou jornalista, tenho o direito de preservar a identidade de minhas fontes. Hehehe.
PS3: viu como jornalista pode ser sacana?

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Química


O moço que despertara nela uma atração estava sentado junto a si e assim, numa atitude natural, pegou em seu braço de um modo firme e ao mesmo tempo delicado. Segurou, enquanto falava alguma coisa que ela não escutava. Ela só olhava aquela mão em seu braço. Foi imediato. Ela percebeu de um modo muito claro e inquestionável - como um fato - que era exatamente aquele tipo de toque que a fazia se apaixonar.
O rapaz ainda a segurava e falava, enquanto na cabeça dela passava um filme numa velocidade impressionante. Lembrou das quatro grandes paixões de sua vida. Lembrou do modo com que todos a seguravam no braço: era aquela mesma segurança de quem possuía algo muito seu e de valor, algo que precisava de cuidado.
Tentou voltar a si e manter o diálogo iniciado com o grupo, mas só conseguiu fazer de conta que escutava e assentia, distraidamente, incapaz de absorver qualquer palavra, qualquer idéia ali em discussão. A mão permaneceu em seu braço por um tempo que lhe pareceu muito, mas em verdade deveria ter sido muito pouco. Quis encerrar o encontro, tinha muito a lembrar e analisar sobre a descoberta que há tanto tempo queria encontrar, e que tinha lhe custado boas noites de sono.
Assim que pôde, fugiu e foi caminhar pelas ruas. Sentou no primeiro banco de praça que encontrou.
A primeira paixão inexplicável foi aos 20, com Luiz. Um mau caráter nato: narcisista, sem ética, incapaz de respeitar alguém, inclusive as mulheres com quem se relaciona. Ela comeu o pão que o diabo amassou nessa relação, muita sujeição, muita entrega para quase nenhum retorno. Foram dois anos desse jeito. Ela sabia que tinha se metido com um homem que não valia a pena, e a consciência do que acontecia a fizera sentir muita vergonha, ao ponto de jamais apresentar Luiz para seus amigos ou seus familiares. Sofreu muito, principalmente por não conseguir entender o que a fizera se entregar assim numa paixão tão improvável e dolorida. Desde aquele tempo, porém, sabia que a sua prisão estava relacionada ao jeito que ele dormia com ela. Era uma impressão. Mas agora ela lembrava nitidamente, e tinha a certeza: ele dormia segurando o braço dela, enroscado nela, tomando-a como objeto caro e delicado, e seu. Foi isso.
Na tentativa de esquecer Luiz, passou a sair com Carlos, um homem maduro que há pelo menos um ano a cercava e se dizia apaixonado. Ela o usava como boa companhia e como alimento para o ego, sem intenção de dar a menor chance para que a relação entre os dois passasse disso. Até que uma tarde, durante um passeio, ele a pegou pelo brbaço - é, daquele mesmo jeito! - e ela se sentiu entregue. Ele teria percebido sua vunerabilidade e creditado a isso as palavras ditas, o companheirismo desde sempre, a paixão confessada que ele sentia por ela. A beijou, e assim começou um namoro muito feliz.
A terceira paixão de sua vida foi Henrique, um amigo desde a adolescência. Sempre foram muito unidos, um aconselhava ao outro, quase irmãos. Sem que nenhum dos dois esperasse, uma noite qualquer num barzinho, onde ela tentava explicar porque tinha posto fim ao namoro com Carlos - e Henrique agia como "cupido" por ter a crença que Carlos e ela tinham sido feitos um para o outro -, aconteceu. De repente, olho no olho, a descoberta de um sentimento diferente, a necessidade de possuir o outro. Foram em frente, não hesitaram em vivenciar aquilo que explodira sem aviso. Enquanto viveram juntos, sempre se questionavam quando é que a paixão começara. Não sabiam dizer, nem um, nem outro. Mas agora, tudo estava claro para ela. Foi exatamente quando Henrique estava dizendo: "presta atenção, menina!". E enquanto falava essa frase, Henrique a segurou. No braço. Firme, tomando a atenção de seus olhos e de todos seus sentidos. Ela não escutou mais nada, ficou perdida. Olhou o amigo nos olhos. Ele ainda falara mais algumas palavras, e se deu conta do olhar que o perscrutava. Ficou sem entender, encarou, demorou-se. E quando se deram conta, já eram amantes.
Por fim, Renato. Um homem absolutamente desinteressante. Cismara com ela desde o dia em que se conheceram, em um barzinho. Ela o achou divertido, mas odiava as cantadas sem graça que ele despejava a cada 15 minutos. Uma companhia agradável para se estar em bar com uma turma de amigos, mais nada. Numa saída dessas, ele a convidou para dançar - não tinha sido a primeira vez. Ela foi. Ficou ouvindo as cantadas batidas dele e quando estava já se irritando com a frequência e com a tolice, ele afastou o corpo, a segurou pelos dois braços, e a encarou de modo sério. Disse que estava apaixonado. Aproximou o rosto para um beijo, e ela, inerte, pasma, perdida, não resistiu. O braço, sempre o braço.
Enquanto se lembrava das quatro histórias, podia sentir perfeitamente o peso dos dedos de cada um de seus homens; a força que eles utilizavam para segurar; a suavidade dos dedos, que o cérebro interpretava como "você é minha, eu cuido de você, não posso te deixar ir".
Suspirou.
Riu de sua descoberta, a achou tola por demais. Entretanto, sabia que era algo real, para ser analisado com mais profundidade. Resolveu ir a fundo na investigação.
Então lembrou de mais uma coisa: podia estar apaixonada pelo novo moço. O toque tinha sido o mesmo...

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Contido



O amor que sinto não se revela
Mesmo quando choro, mesmo quando rio
Mesmo quando o peito estronda.
Na caverna em que se esconde
O sentimento se aninha em paz:
Aguarda o encanto de tua presença.

Soda cáustica, água oxigenada, ácido nítrico. Era esse o coquetel que eu estava tomando há meses no desjejum. Tudo misturado com leite e água, para disfarçar o gosto ruim. Estava fazendo isso por pura caridade; meu espírito solidário quis colaborar com as cooperativas de leite e derivados de Minas.
Confesso que algumas vezes já pensei em suicídio, e embora essa idéia não esteja próxima de mim agora, não a rejeito em absoluto: acho que cada um deve ser dono de sua vida e sua morte, sem drama. No entanto, juro: NUNCA na vida pensei em me matar tomando soda cáustica ou me envenenando aos poucos. E era justamente isso que estava fazendo, em pequenas proporções, claro, mas cotidianamente: me evenenando ao tomar leite tipo longa vida absolutamente adulterado, segundo a Polícia Federal.
A ANVISA entrou ontem no debate para tranquilizar mães desesperadas que há dois anos davam leite com soda cáustica aos filhos. Disse que é bem provável que a PF esteja enganada. Argumenta que "é comum" adicionar água e soro de queijo na mistura do leite para "dar mais volume" ao produto (ou seja, roubar o consumidor). E que o ácido nítrico e a soda encontradas pela PF nas cooperativas são "comumente utilizados para limpar os equipamentos". Hein? Esquisito, né não?
O fato é que o leite longa vida desde ontem é uma droga a menos na minha vida. Não me interessa se as misturas para me enrolarem são comuns, eu não quero ser enganada, muito menos quando o engano significa eu ingerir soda cáustica. Sei também que a quantidade era mínima, mas mesmo assim me recuso a consumir conscientemente.
Fico com pena das cooperativas e dos cooperados. Putz, sério: prefiro adquirir produto de cooperativas e associações que do comércio e da indústria formais do sistema. Sei quanta gente depende dessas iniciativas solidárias. De repente, os cabeças da cooperativa fazem uma merda dessas, e de uma hora para outra, 200 pessoas diretas ficam sem trabalho, sem renda, sem perspectiva. Produtos de outras cooperativas serão, mais frequentemente ainda, olhados com desconfiança pelo público. Tudo isso para gerar lucro.
Filhos da puta.
Agora só me resta torcer para que a PF esteja errada e a Anvisa certa. Pelo bem do meu estômago, do público, das cooperativas, da economia solidária.
Filhos da puta.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Quadrinhas


Caso queiras quanto quero quem contará qualquer quantia?
Busco o belo, embora a bola bem barata bastaria.

Se sossegado saía, sempre sua saia sacodia,
desmonstrando o desvelo desta doida dramaturgia.

Chama cheia se sai chuva ou enchente,
vento velho varre viúva efervescente.

Tagarela, toma tez,
tira a tralha da tontinha.

Cinco são com santos guias,
sentes como são corrilhos?

Rente à ronda resolvia requerer à reitoria
rapidez na rotação e revolver toda rendilha.

Bola de meia, bola de gude


Acabo de receber e-mails de dois amigos extraordinários que tenho.
Uma segue de mudança hoje para Granada, aumentando enormemente nossa distância física.
O outro, figura incondicionalmente amada por mim, revela-me estar "sem graça e sem verbo".
Respondi aos dois. Mas senti a necessidade de acrescentar aqui algo a mais. Pensei, pensei, escrevi, apaguei, escrevi de novo, deletei de novo, e decidi: nada que eu possa falar para vocês poderá ser tão bem resumido quanto a música "amizade sincera", de Renato Teixeira:

Amizade Sincera

Amizade sincera é um santo remédio
É um abrigo seguro
É natural da amizade
O abraço, o aperto de mão, o sorriso
Por isso se for preciso
Conte comigo, amigo disponha
Lembre-se sempre que mesmo modesta
Minha casa será sempre sua
Amigo
Os verdadeiros amigos
Do peito, de fé
Os melhores amigos
Não trazem dentro da boca
Palavras fingidas ou falsas histórias
Sabem entender o silêncio
E manter a presença mesmo quando ausentes
Por isso mesmo apesar de tão raros
Não há nada melhor do que um grande amigo


Obrigada pela amizade que me dedicam. E contem sempre comigo.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Made in Brazil


No último acidente ocorrido com um avião da TAM, mais de uma centena de pessoas morreram. Houve falha mecânica? Houve falha humana? O problema era a pista? Sei lá. O que sei é que tem alguém preso nessa história: o dono do puteiro. No Brasil é assim que se faz justiça: um avião cai e o dono da zona vai pra cadeia.
Não vou aqui defender ou incriminar cafetão. Não gosto nem um pouquinho da espécie, embora não seja contra a prostituição - o que detesto no cafetão é que ele ganha vendendo algo que não tem; explorando. Mas esses são outros quinhentos.
Vi ontem uma reportagem na Carta Capital de setembro (não sei a data) com o tal dono do puteiro que fica ao lado do Aeroporto de Congonhas. O cara tá preso. No seu puteiro tem boate, restaurante, hotel, além do produto óbvio. O cara é psicólogo formado, tendo já experiência em clínica. Talento perdido: se daria muito melhor (aliás, se deu muito melhor) como publicitário, marqueteiro. Um criador de factóide. E, para meu terror, quer ser o próximo prefeito de São Paulo. Impossível ser eleito? vide Maluf, Clodovil e etc. O povo de São Paulo... sei não, mas não é de confiança pelo menos neste aspecto.
O "empresário da noite" (eufemismo para cafetão com muito dinheiro) chega a ser simpático com as palavras. Diz que não explora mulheres: cada uma paga 25 reais para entrar em seu puteiro, e cada cliente paga 150. O lucro para o cafetão viria daí, além da bebida, da comida (refiro-me aqui a alimento que passa pelo sistema digestivo, claro) e do aluguel dos quartos. Se for assim, ele realmente não cometeu crime algum. Bom, de qualquer forma ele já se livrou de cinco ou seis acusações antes, e possivelmente irá se livrar dessa também.
O problema é que dessa vez ele foi apontado pelo atual prefeito paulistano como um dos responsáveis pelo acidente da TAM. Não sei como, mas imagino algumas possibilidades para o atual prefeito estar certo:
1 - para expandir os negócios, o empresário mandou amostra grátis dos seus produtos para cinco minutos de demonstração aos pilotos. A demonstração era para ser feita em pleno vôo, mas o produto era loiro e sentou no colo do piloto durante a aterrisagem;
2 - O empresário teria feito um mega outdoor cobrindo todo seu prédio com a foto de seus produtos in natura; o piloto viu, ficou embasbacado e esqueceu que estava pilotando um avião;
3 - o empresário quis criar um factóide a la Cesar Maia para dar maior visibilidade aos seus negócios. Para isso, criou uma imagem holográfica de mais uns seis andares de seu prédio (construído com licença da Prefeitura, vale ressaltar), desorientando o piloto acostumado a desviar de apenas dez andares...

Não sei. A imaginação tem que ir muito longe para tentar alcançar o raciocínio de nossos políticos e dos nossos empresários. Eu sou apenas uma amadora, creio que nem usando LSD de meia em meia hora eu conseguiria chegar ao patamar da criatividade deles.
O que eu sei é que mais de cem morreram num acidente aéreo, e quem foi preso foi o dono do puteiro.
A justiça é cega mesmo.
Yes, nós temos banana...

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Para João


17 de outubro de 2007. Meu irmão caçula está fazendo 28 anos. Será que ele já sabe disso?
João continua a ser uma figura ímpar. Hoje, por exemplo, ele escolheu passar o aniversário entre hospital e casa. Resolveu peitar uma pedra no meio do caminho, e não estou falando em metáfora. Não é Drummond; é João Ricardo mesmo. A pedra estava lá, no meio do caminho, e ele de moto. O que um adulto faria? Tudo bem: o que um homem de 28 anos faria? Desviaria a moto, simplesmente. Mas João é João. Peitou. E caiu. Resultado: fissura no ombro. Oh happy day, maninho.
Nada que eu possa falar aqui traduz melhor João do que esse exemplo. É real, não fruto da imaginação ou exercício literário. Ele é assim mesmo: parece ter saído de um livro infantil; uma personagem com sérias dificuldades em admitir a saída do mundo infantil. Peter Pan olindense: João Ricardo.
Há uns anos ele resolveu brincar de boneca, só pra conquistar uma Wendy. E eis que Wendy passou, a boneca ficou (ou melhor, o boneco, lindo!) e taí: João não consegue dormir sem estar abraçado a ele. O nome do boneco bem que podia ser Grilo Falante, a consciência do Pinóquio. É, como todo garoto, João tem um bocado de Pinóquio também. E Bruninho tem um bocado de responsabilidade (alguém tem que ter isso dentro daquela casa).
Eu os amo muito, tanto Peter Pan quanto Grilo Falante.
Todos os anos, nesta data, escrevo algo para ele. Estamos distantes, é mais fácil e barato. E todos os anos, invariavelmente, tanto falo da sua meninice quanto do meu amor por ele. São incondicionais. Tenho a impressão que daqui a uns doze anos estarei na frente de um computador tratando dos mesmos temas, qualidades e defeitos.
É um pedido, viu, João?
Outro pedido pra você: sare logo. E venha me visitar em breve. Estou morrendo de saudade.
Um imenso beijo, meu irmãozinho sem juízo.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Quase nada


O suor que escorre da fronte
É menos que o necessário
Para evitar a tatuagem de barro
Consolidada na pele

Pés, pneus, patas, folhas
Tudo é razão de vida e movimento
Do mergulho indesejado
Dos sentidos alterados

O suor que escorre da fronte
É menos que o necessário
Para fazer crescer a sombra
Que irá secar o suor

Estupidamente se espera
O acalanto do magoado
A ressurreição da ferida
O fim da conseqüência

O suor que escorre da fronte
É menos que o necessário
Para enxergar o real
E agir, reagir, acionar

Chumbar nuvens
Aliviar o pulmão
Devolver esperança
Abandonar o lamento

O suor que escorre da fronte
É sagrado, respeitado.
É muito menos que o necessário.
É quase nada.

sábado, 13 de outubro de 2007

Meme


O Blog dos Perrusi mandou, eu obedeço. É para fazer o seguinte:

1ª) Pegar um livro próximo (PRÓXIMO, não procure);
2ª) Abra-o na página 161;
3ª) Procurar a 5ª frase completa;
4ª) Postar essa frase em seu blog;
5ª) Não escolher a melhor frase nem o melhor livro;
6ª) Repassar para outros 5 blogs.”

Isso é um meme, pelo menos é o que dizem porque, para ser sincera, eu não lembro de ter ouvido falar no termo. Mas também dizem que os memes são sagrados. Logo: estou relendo Sexus, de Henry Miller (foto), e é ele o que vi primeiro para citar aqui.

Tenho a mania de reler alguns livros que eu acho que não tenha interpretado bem na primeira leitura, ou que eu não tenha conseguido vislumbrar tudo quanto possível ou quanto queira. É assim com "Livro de Desassossego", de Fernando Pessoa, que sempre está na cabeceira para de vez em quando dar uma olhadinha em seus trechos. Perdi a conta do número de vezes que o li, e a cada releitura descubro mais mágica naquelas palavras.
E agora releio Sexus em casa. Lembro de o ter lido acho que com uns 20 anos, por aí. Recordo de ter ficado agradavelmente impressionada sobretudo pelas narrativas sexuais, que é de uma crueza natural, instintiva. Mas o livro não me marcou tanto.
Dia desses estava lendo alguns artigos literários e um deles tratou de Sexus como obra-prima. Gostei do artigo, mas não consegui identificar muitos dos pontos de vista colocados. Fiquei curiosa. No dia seguinte fui a um sebo e comprei o livro. Estou na parte final, infelizmente faltam apenas umas 30 páginas das 511.
Mas o que está dito na página 161, 5ª frase (cumprindo o meme)?

"Eram insensíveis, sem coração, extremamente egocêntricos, extremamente desinteressados das coisas, exceto sua própria prosperidade."

Henry falava sobre os médicos de um hospital que ele frequentava por ter um deles como seu amigo. Criticava a falta de interesse pelo paciente e a excessiva preocupação, de homens com missão de cura, por dinheiro, lucro, status. Médicos. Homens.

Bem, cumprindo o meme (que aliás, achei bem interessante), envio agora para os seguintes blogs:
Canto da Boca
Blog do Michel
Todo Prosa
Pseudoblog
Manual do Cafajeste.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Patropiqueiros


Quinta-feira com cheiro de sexta é uma delícia.
Eu sinceramente acho exagerado o número de feriados no Brasil. Aqui em Minas, aliás, na cidade onde estou, segunda-feira dia 15 também é feriado; as escolas públicas fecharam de 8 a 15, já que tinha feriado dias 12 e 15. É mole? Ô.
Mas como nada nesse país deve ser levado tão a sério, então inverto a queixa: devia ter pelo menos um feriado por mês.
Vou imaginar um calendário de feriados ideal, com desculpas plausíveis:

Janeiro: 01 (dia internacional da ressaca); 06 (Dia de Santos Reis) - Juntando o 1 com o 6, mais o 25 ao 31 do dezembro, já pensou que feriadaço?

Fevereiro: Carnaval por 15 dias no Nordeste e uma semana no resto do país, com exceção do RJ.

Março: Semana Santa. Mas que seja a semana inteira mesmo, nada desse feriado só de Sexta da Paixão.

Abril: 01 (o dia da mentira devia ser feriado nacional em homenagem aos Poderes legalmente constituídos no nosso país); e 21 (Tiradentes).

Maio: 01 (Dia do Trabalhador) e 22 (Corpus Christi)

Junho: 12 (Dia dos Namorados), 24 (São João) e 29 (São Pedro). Aqui mostro todo o meu fervor católico.

Julho: 10 (Dia da Pizza - símbolo maior do Estado Brasileiro) e 25 (Dia de São Cristóvão, padroeiro dos motoristas - e com essas estradas daqui, sabe como é que é... melhor render homenagem ao padroeiro).

Agosto: 11 (Dia da Televisão. Nesse dia as TVs fariam de tudo para agradar os clientes, quer dizer, os telespectadores. A Globo, por exemplo, daria a melhor programação possível, segundo critérios deles: Ana Maria, Xuxa, Caldeirão do Hulk, Turma do Didi, Faustão, Transmissão ao vivo do jogo Panamá x Sultão, Novela das 5, novela das 6, novela das 7, JN, novela das 9, uma edição especial do Fantástico com reportagem especial de Pedro Bial sobre os bastidores do BBB 987, seguida por uma edição curtinha do Globo Repórter inédito sobre a dificuldade dos animais em cortar as unhas dos pés; No Linha Direta especial, você vai conhecer a incrível história da mulher que foi morta pelo seu próprio assaltante por motivo banal; Jornal da Globo e, finalizando o sensacional dia da TV, Jô Soares entrevistando... ele mesmo!).
O segundo feriado de agosto seria dia 28, Dia do Bancário. Rendamos nossa homenagem a esta raça em extinção.

Setembro: O Dia da Independência (7) permanece feriado, até que enfim conquistemos a independência. E dia 18, Dia dos Símbolos Nacionais (sabia disso?), uma data patriótica que merece inclusive um replay do desfile de 7 de Setembro (todos os caretas vão para o desfile e a praia fica mais liberada).

Outubro: 01 (Dia Internacional da 3a Idade. Um dia todos nós vamos passar por isso. Ou não, o que é pior ainda); e dia 31 Dia das Bruxas (em respeito a outros cultos não-católicos).

Novembro: Ficam o 2 e o 15, mas gostaria de acrescentar o 20, Dia Nacional da Consciência Negra. E como a festa vai ser boa, a gente já emenda o feriado do dia 15 com o dia 20 e tudo bem, até porque final de ano não tem muita coisa acontecendo mesmo, no trabalho as coisas ficam mais paradas e... já convenci?

Dezembro: 25 e 31, claro, além do dia 8 (Dia da Imaculada Conceição), que sempre tem o feriado no Recife (lembra da musiquinha das Casas José Araújo: senhora da conceiBUM (o bumbo tocava bem aí)/minha mãe, minha raiBUM/ dai-me a vossa proteBUM minha querida maBUM).

Ah, como é bom festejar as datas importantes para o país... Aceito mais sugestões.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Fofoqueira não: curiosa!


Acho divertido ouvir a conversa dos outros.
Almoço sempre num self do centro da cidade, ou seja, um local com clientela múltipla. Vai desde balconista de loja até a - como descobri hoje - senhoras de terceira idade que viveram um esplendor financeiro na juventude e agora sobrevivem literalmente do passado.
Uma dessas estava com outras duas mulheres almoçando numa mesa próxima à que eu tinha escolhido. Com sua voz pausada, grave, refinada, explicava às outras o que a enlouquecia nos tempos atuais. Empregada se recusa a usar farda, e você nem pode mais contratar direito, porque você é boa, trata bem, como se fosse uma pessoa normal até; e como elas pagam? Colocando você na Justiça do Trabalho.
A conversa dobrou uma esquina e mudou de ambiente, da cozinha para a Sala de Justiça. Já perceberam como o juiz daqui, fulano de tal, é novinho? Nem parece que ele terminou a faculdade, quem dirá que já é juiz. Mas como eu ia dizendo, tudo quanto é juiz hoje em dia só dá ganho de causa para empregado. Parece que todo patrão é ruim. Eu, por exemplo, não sou. A minha empregada come tudo o que eu como, dorme na minha casa, e ganha salário mínimo. Assinar a carteira eu não assino, senão vai ter que pagar imposto e aí fica caro.
As outras concordam e dão depoimentos semelhantes. Todas elas ali eram ótimas, e todas concordavam que assinar carteira de empregada doméstica era uma besteira, que era coisa do governo para tirar mais dinheiro do povo.
(Eu não estava horrorizada ouvindo essa conversa. Desde ontem - ver post anterior - estou em estado meio que letárgico).
Resolvi mudar o roteiro da audição e prestar atenção na conversa de duas garotas vestidas de branco (possivelmente estudantes universitárias). Falavam do assunto predileto de garotas: meninos e meninas. Fulana de tal terminou o namoro com Cicrano, mas com toda razão: o cara era o maior galinha. E uma vez que ele agarrou Beltrana na festa da república tal? Na frente de todo mundo.
Esse papo eu já conheço de cor e salteado. Pulei para outra mesa, minha feijoada já no fim.
Um casal. Ele, barba grisalha e um enfadonho ar de professor de análise metódica de microorganismo do curso de Odontologia. Ela, cabelo de tintura ruiva e um enfadonho ar de esposa de professor de análise metódica de microorganismo do curso de Odontologia. Papo: silêncio enfadonho, só interrompido, durante o período em que observei, por uma pergunta e uma resposta: "Fulano vai?" "Vai". Silêncio.

Preciso lembrar de nunca almoçar com ninguém. Pode ter algum curioso de butuca querendo ouvir a conversa dos outros. Coisa de gente mal educada, frustrada, que não tem mais o que fazer.
E nem adianta mudar de restaurante.

Produto da privada na vida pública





"O usuário não interessa.
Ele pode gritar, pode chorar, pode fazer o que quiser.
Eu tenho coisas mais importantes para me preocupar."


Frase que ouvi ontem de uma integrante do segundo escalão de uma administração pública municipal.

Não vou escrever mais nada aqui hoje. Estou engasgada.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Declaração de amor



Quando chego em casa ela tá lá, me esperando no portão, feliz por me rever. É companhia certa na subida da ladeira, onde pede carinhos e os faz. Chama a atenção de várias formas: pode ser uma parada súbita onde me vejo obrigada a manter os olhos fixos nos dela; ou pode estar irritada, ciumenta, estressada e simplesmente parte para cima de mim como uma fera, sem chance de negativas.
Pergunta com um olhar pidão o que vai ter para o lanche da noite e em troca sempre ganha algum petisco. Satisfeita, conversa, pula, brinca e me beija. Quando vou dormir, basta dizer "vamos, meu amor, deitar?" e pronto: ela chega primeiro que eu no quarto e já se acomoda em seu ninho.
Costumo acordar entre 5 e 5h30 diariamente, e ela sabe disso. Antes mesmo do despertador cumprir sua irritante função, ela já me chamou e deu alguns beijinhos, embora nem sempre estes gestos tenham uma resposta agradável de minha parte. Saímos do quarto e ela se espreguiça e me acompanha até a cozinha, quando enfim nos despedimos temporariamente. Eu a sustento, então tenho que trabalhar. Ela toma conta da casa.
Adoro minha Galega.
Não consigo entender quem não gosta de animais. Principalmente de cães.
A Galega é uma mistura de Pastor Alemão e Husky Siberiano - razão pela qual costumo dizer que ela é um Husky Alemão, e, acredite: muita gente cai nessa. Tem a alegria, a desconfiança e o sentido de caça de um Husky, para desgraça de insetos e pequenos bichos intrusos. E tem a fidelidade irrestrita do Pastor.
Como já disse, adoro minha Galega.